A (in)cultura da perpetuação das touradas

Neste novo ciclo importava uma forte aposta na tutela governativa deste setor. Contudo, e para espanto de todos nós, António Costa nomeou Pedro Adão e Silva para tutelar a pasta!

Se há setor fustigado pela crise sanitária é, sem dúvida, o setor cultural, tendo visto somar à crise que já marcava a Cultura, por força do desinvestimento de sucessivos governos, uma crise socioeconómica provocada pelo confinamento decorrente da covid-19.

Neste novo ciclo governativo importava por isso uma forte aposta na tutela governativa deste setor. Contudo, e para espanto de todos nós, António Costa nomeou Pedro Adão e Silva para tutelar a pasta! Se já nos espantava a falta de ligação ao setor cultural, há uma dimensão da opinião pública de Adão e Silva que não podemos ignorar: a sua posição relativamente às touradas.

Ao longo dos anos vimos o agora ministro da Cultura afirmar que “não gostava de viver num país sem taxistas e sem touradas”, criticando a sua antecessora Graça Fonseca quando afirmou que “as touradas são uma questão civilizacional”, dizendo que a então ministra da Cultura cometeu “um erro e uma imprudência” ao condenar a tauromaquia por uma questão “civilizacional” e ainda que “o Partido Socialista deve ter uma postura tolerante e aberta em relação aos comportamentos de todos, mesmo os que tem dificuldade em compreender”. Na verdade, aquilo que temos dificuldade em compreender é que, em pleno séc. XXI, se tenha tanta tolerância com uma atividade que consiste em provocar, deliberadamente, sofrimento aos animais. A perpetuação das touradas tem sido um erro histórico e, sim, civilizacional, que apesar da contestação social, o poder político tem tardado em corrigir.

Ao contrário da verdadeira cultura, dos artistas, dos técnicos de som e de luz e os demais profissionais que têm visto a sua atividade marcada pela precariedade e sazonalidade, as touradas têm sido largamente alimentadas por dinheiros públicos.

Não há dinheiro para o cinema, o teatro, a música, a dança, entre tantos exemplos, mas os nossos impostos são canalizados para um divertimento anacrónico que se baseia no maltrato e na crueldade contra animais, além da violência que lhe está associada e que resulta em vários feridos e mortos todos os anos.

Um setor que não gera riqueza para o país, nem postos de trabalho significativos, recebe mais de 17 milhões da PAC! Aos fundos comunitários juntam-se os milhões que são gastos por algumas câmaras municipais na recuperação de praças de touros ou na aquisição de bilhetes para touradas como aconteceu recentemente em Santarém, onde foram gastos dez mil euros dos contribuintes para atrair público para as touradas.

Em pleno coração de Lisboa, a praça de touros do Campo Pequeno beneficia de uma isenção de IMI que anualmente ascende a 12 milhões de euros! Repito, 12 milhões de euros!

Para além da imoralidade de se financiar esta atividade cruenta, a aposta neste setor em detrimento da verdadeira cultura do nosso país traduz um incompreensível atraso cultural e civilizacional.

Confesso que eu cá gostava de viver num país onde não se torturam animais na arena e ainda se procura elevar isso a espetáculo cultural. Gostaria que todas as pessoas pudessem ter, desde cedo, acesso a uma verdadeira fruição cultural e que essa fosse a aposta do Governo e das autarquias.

A governação é feita de opções políticas. O Governo terá de justificar se quer continuar a perpetuar a grotesca crueldade das touradas ou se vai canalizar os recursos públicos para verdadeiros artistas culturais. Só assim se poderá respeitar a cultura e, já agora, também a vida animal.

E mal vai a Cultura, se o seu ministro, agora empossado, não acabar por perceber tudo isto.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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