Haverá uma idade certa para aprender a ler e a escrever?

A escrita é uma atividade neurobiológica complexa que exige o controlo motor que permita a execução dos movimentos necessários para escrever.

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A criança deve manusear os livros, aprender a virar as páginas na direção certa, entender a direccionalidade da escrita Andrea Piacquadio/pexels

Todas as competências que as crianças desenvolvem ao longo do seu crescimento, sejam competências motoras, sociais, emocionais ou cognitivas estão, sem dúvida, relacionadas com a idade cronológica.

De acordo com a teoria de Piaget, as crianças com 5 anos (idade com a qual algumas crianças iniciam a aprendizagem da leitura no nosso país) encontram-se no estádio Pré-Operatório e, como tal, possuem caraterísticas que não as permite pensar abstratamente.

Quando as crianças iniciam a aprendizagem formal da leitura, ainda não adquiriram as Operações Lógicas que são fundamentais para esta aprendizagem, já que estas competências permitem realizar ações mentais que evitam contradição e confusão entre transformações relevantes e irrelevantes.

Para que a criança aprenda a ler tem de se recordar da forma gráfica das letras e das palavras e apropriar-se das regras de conversão letra-som, ou seja, saber que a mesma letra pode ter vários sons.

Para compreender melhor, vejamos o exemplo das vogais que na escrita são cinco, mas que se desdobram em 14 sons. Isto significa que a criança quando está a tentar decifrar uma palavra deve pensar rápida e automaticamente qual dos sons de uma letra deve utilizar para transformar o material lido em algo com sentido.

De forma para que o aprendiz de leitor consiga ler uma palavra corretamente, tem de saber que o mesmo som pode ser representado por diferentes letras (como por exemplo, o som “x” pode representar-se com a letra 'xis', com a letra 'esse' e com o dígrafo 'c+h'). Para além de conhecer as letras, tem de conhecer todos os sons que essa letra pode assumir e, rapidamente, fazer essa associação dando sentido ao que está a tentar decifrar.

A escrita é uma atividade neurobiológica complexa que exige o controlo motor que permita a execução dos movimentos necessários para escrever, ou seja, para começar a escrever, a criança tem de desenvolver um conjunto de habilidades motoras finas e de coordenação óculo-manual de forma a conseguir controlar o material de escrita (lápis). É necessário, igualmente, saber gerir o espaço gráfico onde vai executar a tarefa e saber utilizar a pontuação na segmentação de unidades.

Na iniciação da escrita, para além das habilidades motoras, a criança tem de ter uma imagem mental da sequência gráfica da palavra que quer escrever e tem de saber qual das letras ou combinações de letras deve utilizar para escrever uma determinada palavra. Vejamos o exemplo, quando escreve corretamente a palavra “gato”, mostra que é capaz de identificar os quatro fonemas que compõem esta palavra, sabe como os fonemas devem ser transcritos e sabe que no final da palavra tem de escrever um <o> e não um <u>, como se produz na oralidade.

Por outro lado, para escrever a palavra “tempo” tem de saber que o número de sons que produz na oralidade nem sempre coincide com o número de letras que terá de utilizar na escrita. Assim, tem de saber que na palavra “tempo” existem cinco letras para representar quatro fonemas, uma vez que a vogal nasal é representada pelo conjunto de letras.

A chave do sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita depende da motivação para aprender. Para tal, é crucial que os pais incutam hábitos de leitura desde muito cedo, pois uma criança que ouve histórias desenvolve hábitos de leitor e adquire vários conhecimentos relacionados com a compreensão da escrita.

Para aprender a ler e a escrever é preciso entender como funciona a escrita, por essa razão a criança deve manusear os livros, aprender a virar as páginas na direção certa, entender a direccionalidade da escrita (lemos da esquerda para a direita e de cima para baixo) e compreender que as palavras escritas representam as palavras faladas, transmitindo uma mensagem. Para além disso, a leitura de histórias traz imensos benefícios para o desenvolvimento infantil: compreender o mundo, dar asas à imaginação, aumentar a criatividade e desenvolver a resiliência.

Da mesma forma que não esperamos que um recém-nascido ande, não deveríamos exigir que uma criança com 5 anos, que ainda não tem maturidade cognitiva suficiente, aprenda a ler e a escrever. Há tempo para tudo e acima de tudo, as crianças deviam ter o direito a passar por todas as etapas sem ser apressadas a passar à etapa seguinte.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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