UTAO diz que a redução de impostos é a opção menos eficaz para contrariar inflação

Unidade técnica que apoia os deputados no parlamento defende que os governos, para mitigar os efeitos da inflação, devem apostar em apoios directos às famílias

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Fernando Medina e Ana Mendes Godinho na apresentação das mais recentes medidas contra a inflação Rui Gaudencio

Entregar dinheiro directamente às famílias mais vulneráveis é uma opção mais eficaz para combater os efeitos da inflação do que tentar baixar os preços dos produtos através de uma redução de impostos, assinala um estudo publicado pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República no mesmo dia em que os deputados discutiram a proposta do Governo de redução do IVA de bens alimentares essenciais.

Num documento intitulado “Inflação: um estudo pedagógico sobre os dilemas que a política económica enfrenta”, os técnicos da UTAO discutem os impactos económicos e sociais do actual cenário de escalada da inflação e descrevem as vantagens e desvantagens de cada uma das opções de política económica e orçamental que os governos podem tomar para mitigar os problemas.

Uma das conclusões tiradas é a de que, entre apostar por subsídios aos preços, por exemplo reduzindo os impostos sobre o consumo, e a entrega de subsídios directos ao rendimento das famílias, esta segunda hipótese é mais eficaz, tanto a assegurar uma melhoria do bem-estar das famílias, como a limitar o impacto negativo nas contas públicas.

A UTAO, coordenada por Rui Baleiras, dá duas explicações para esta preferência. A primeira é a de que, reduzindo um imposto sobre o consumo, por exemplo o IVA, é praticamente certo que o ganho não irá todo para o consumidor.

“Esta intervenção [reduzir o imposto], ao criar uma diferença entre o preço a pagar pelas famílias e o preço a receber pelas empresas, altera os incentivos de uns e outros no mercado. Conscientes ou não deste facto, uns e outros agentes vão lutar por captar para si a maior fracção possível do subsídio por unidade de bem transaccionada. O resultado irá depender do poder de negociação das partes. Salvo situações extremas de procura perfeitamente rígida e procura perfeitamente elástica, que são implausíveis no mundo real, quanto maior for o poder relativo da oferta sobre a formação de preços, menor será a redução no preço que a procura consegue captar. Isto é verdade quer o mercado seja concorrencial, quer seja caracterizado por ofertas em monopólio, oligopólio ou concorrência monopolística”, defende a UTAO.

Isto é, a redução dos preços não acompanha a redução do imposto realizado pelo Estado. E os técnicos do parlamento fazem questão de mostrar que há provas no passado de que tal já aconteceu, por exemplo com reduções do IVA.

Citando um estudo académico publicado em 2020, que analisava as descidas e subidas do IVA realizados nos Estados-membros da UE entre 1996 e 2015, a UTAO assinala que “os preços tenderam a subir mais [quase cinco vezes mais] após subidas de taxas do que tenderam a descer após reduções de taxas no principal imposto indirecto”.

Esta era uma das razões dadas pelo Governo para não ter avançado ainda para uma redução do IVA dos bens alimentares essenciais. Para tentar lidar com esse problema, a recente adopção da medida veio acompanhada da assinatura, por parte dos representantes das empresas, de um acordo em que se comprometem a fazer reflectir nos preços dos bens a descida realizada no IVA.

Há, no entanto, outra razão dada pela UTAO para preferir os apoios directos aos rendimentos em vez dos subsídios aos preços. “O facto de os consumidores poderem estar tão bem com cabazes diferentes que envolvam mais unidades de um bem e menos de outro faz com que um subsídio directo nunca seja pior que um subsídio indirecto”, diz o estudo, assinalando que uma descida de preços de um determinado bem limita as opções do consumido, em comparação com o cenário de um apoio directo.

No estudo, é ainda defendido que apoiar as famílias com menores rendimento, em vez de tentar ajudar todas as famílias, é a melhor opção, não só por uma questão de equilíbrio orçamental, mas também porque não se corre o risco de contrariar os esforços da política monetária de combate à inflação.

“A atribuição de subsídios a todas as famílias e na mesma percentagem do rendimento que cada uma teve no passado recente”, diz a UTAO, seria uma medida “com sinal contrário ao objectivo de redução da taxa de inflação”. “Isso não seria desejável em país nenhum, por muito afluentes que estivessem as finanças públicas, nem seria financeiramente possível no caso de Portugal e de quase todos os países”, defende o estudo.

A UTAO lembra que, para lá da descida de IVA que está neste momento a ser proposta pelo Governo, já foram postas em prática em Portugal medidas dos dois tipos: subsídios indirectos e subsídios directos. Entre os subsídios indirectos aos preços, aqueles que são menos aconselhados, estão também a redução na taxa do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) sobre a gasolina e o gasóleo ou o subsídio de 10 euros por garrafa de gás para os beneficiários da tarifa social de electricidade.

Entre os subsídios directos, os mais recomendados pela UTAO, estão os apoios extraordinários aos rendimentos e prestações sociais das famílias com menores rendimentos.

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