Três anos de “Brexit”: o “choque” fez Ana voltar, mas Helena mudou-se para o Reino Unido

Depois de 20 anos emigrada, Ana Telma fez as malas e mudou-se para Trás-os-Montes. Culpa do “Brexit”. Mas a saída do Reino Unido da União Europeia não assustou Helena, que se mudou dias antes.

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Helena Monteiro mudou-se para o Reino Unido poucos dias antes do "Brexit" Nelson Garrido

Mais de três anos depois, Ana Telma Rocha ainda se sente tão revoltada como quando interrompeu o directo da Sky News a propósito do "Brexit": “Sou portuguesa, trabalhei aqui durante 20 anos e não tenho voz”, disse, na altura, numa intervenção que se tornou viral. Agora, mais de três anos depois, e depois de 21 emigrada no Reino Unido, a actriz de 45 anos transformou “a raiva” numa “coisa construtiva”: criou uma cooperativa de cultura “para fazer um grande buraco no 'Brexit'” e continuar o intercâmbio entre artistas portugueses e ingleses. A partir de Trás-os-Montes, onde agora vive.

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Ana Telma Rocha regressou a Portugal, depois de 20 anos a viver no Reino Unido DR

Fez as malas por volta de Novembro de 2019, cerca de três meses depois de ter falado à Sky News, por “não conseguir lidar” com o que se estava a passar. Diz ter sido “apontada” e acusada de ter encenado a sua intervenção. Aquando do directo, estava com problemas na regularização da sua situação no país, mas, com “muita ajuda”, conseguiu regularizá-la. Não foi suficiente: “Não consigo ultrapassar o choque. Não consigo aceitar o que se está a passar.” A Xambra Cooperativa Internacional de Cultura é a forma de resolver “o problema emocional” que esse acontecimento, além de lhe ter “caído mal”, provocou. É uma “comunidade de artistas britânicos numa zona bastante despovoada": "Fazemos coisas entre Inglaterra e Portugal que não respeitam as fronteiras”, explica.

Nesta terça-feira, 31 de Janeiro, assinalam-se três anos desde que o Reino Unido saiu formalmente da União Europeia, depois de 52% dos britânicos terem votado a favor do "Brexit", num referendo realizado em 2016. O período de transição estendeu-se até 31 de Dezembro de 2020, e foi em Janeiro de 2021 que foram implementadas novas regras para viver no país: um sistema por pontos, para atrair imigrantes qualificados. Pesam critérios como o domínio da língua, uma oferta de trabalho adequada ao nível de ensino do candidato e um salário mínimo de 25.600 libras anuais.

Ainda assim, em 2021, o Reino Unido retomou a posição de principal destino de emigração dos portugueses. Segundo o Relatório da Emigração de 2021, nesse ano terão emigrado cerca de 60 mil pessoas, tendo 12 mil entrado no Reino Unido. Entre 2019 e 2020, indica o documento, “a emigração teve uma quebra na ordem dos 44%, em consequência dos efeitos conjugados da crise pandémica e do 'Brexit'”.

Também em 2021 a aquisição de cidadania britânica por portugueses atingiu um máximo: mais de 2500 portugueses adquiriram-na. Também aqui o Reino Unido liderou, ficando à frente da França e da Suíça. De acordo com o Observatório da Emigração, nos primeiros três trimestres do ano passado, 2066 portugueses obtiveram nacionalidade. “Este incremento parece explicar-se, sobretudo, pelos receios induzidos pelo 'Brexit' e pela redução de direitos associados ao estatuto de estrangeiro que daí poderá resultar”, lê-se no documento.

“Ainda compensa” emigrar para o Reino Unido

Helena Monteiro tinha esses receios. Por isso, em conjunto com a equipa de recrutamento, tratou de tudo para aterrar em Inglaterra no final de Dezembro de 2020, ainda que a ideia inicial fosse mudar-se apenas pós-"Brexit". Mas se chegasse uns dias mais tarde, teria de se reger pelo sistema de pontos; assim, teve apenas de fazer “um exame de língua e pouco mais”, de forma a conseguir o PIN de enfermeira, obrigatório para exercer a profissão

Depois de algum tempo a trabalhar na Bélgica, quis mudar-se para Inglaterra por estar “mais confortável” na língua. É enfermeira no sector público e diz-se satisfeita com a mudança. Apesar de ter visto de perto algumas consequências do "Brexit": “Afectou muito em termos de material do hospital, houve algumas falhas, porque algumas marcas deixaram de fornecer para aqui. Mas neste momento já está tudo regularizado. Também houve muitas pessoas que foram embora na altura em que eu cheguei”, conta.

Por causa do sistema de pontos, Helena não conseguiu levar consigo a mãe, como disse ao P3, em 2021, que pretendia fazer. “Ela não consegue aprender inglês”, lamenta. As visitas da família são também complicadas: quando estava na Bélgica, conseguia receber familiares; agora, tem de ser ela a fazer as viagens a Portugal quando quer estar com a família.

Mas três anos depois da saída oficial do Reino Unido da União Europeia, os britânicos parecem estar a repensar a decisão. Segundo uma sondagem encomendada pelo Independent, 65% dos britânicos — quase dois em cada três cidadãos — querem repetir o referendo do "Brexit". No ano anterior eram 55%.

A mesma sondagem diz que 54% acreditam que o "Brexit" foi uma má decisão; mais do que os 46% que diziam o mesmo no ano anterior. Cinquenta e seis por cento acreditam que deixar a União Europeia fez a economia piorar. “Os ingleses estão a aperceber-se de que isto foi um grande erro. Há muitas coisas a funcionar mal. Faltamos nós. Como sociedade, como democracia, as pessoas têm de analisar como votam e que impacto têm as decisões”, refere Ana Telma Rocha. “Talvez o 'Brexit' tenha sido uma espécie de exame, para percebermos que precisamos de todos, todos juntos.”

O que leva, ainda assim, tantos portugueses a verem o Reino Unido como um destino tão atractivo? “Há liberdade de expressão, diversificação, aprendemos outras culturas. Em Portugal, trabalhamos com muito pouco, e quando nos são oferecidos os equipamentos todos, conseguimos cumprir metas e puxamos por nós. [No Reino Unido] temos melhores salários, melhores oportunidades, experiência de vida”, afiança Ana Telma Rocha. Por isso, voltar é “sempre” uma opção.

Para Helena, a mudança tem sido “mais fácil” do que imaginava. “Tenciono voltar um dia a Portugal, mas, apesar de tudo, ainda compensa estar aqui.”

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