Série Semana de Quatro Dias (5): para as pequenas e médias ou grandes empresas?

A maioria das empresas que adota a semana dos quatro dias são PME. Apesar de terem margens de lucro mais baixas, estas empresas têm mais facilidade de mudança de processos.

Num recente inquérito a mil empresas da Associação Empresarial de Portugal, cerca de 70% afirmaram que a semana de quatro dias teria um impacto negativo nos lucros. Muitos empresários assumem um raciocínio contabilístico: se os dias de trabalho semanal diminuem 20%, para compensar é preciso contratar mais 20% de trabalhadores. Os benefícios não são imediatos e são incertos e o consequente aumento de gastos com pessoal é incomportável para pequenas e médias empresas que já têm escassas margens de lucro. Este raciocínio desvaloriza os prováveis ganhos de produtividade e reduções de custos intermédios. Mas mesmo que tais ganhos fossem inexistentes, seria a redução da semana de trabalho incomportável para todas as empresas?

Em primeiro lugar, a redução de horas anuais não tem de ser de 20%. As 32 horas semanais são o objetivo natural, mas numa primeira fase pode ensaiar-se uma redução para 34 ou mesmo 36 horas. A semana de 34 horas em quatro dias pode ser operacionalizada adicionando 30 minutos à jornada diária – saindo meia hora mais tarde, ou almoçando em meia-hora como é frequente no norte da Europa. E se trabalhar mais tempo por dia não for viável? Uma opção para operacionalizar a semana de quatro dias com 34 horas sem prejuízo das horas diárias seria adicionar duas horas em cada semana a um banco de horas à disposição da empresa. O trabalhador poderia fazer uma semana de cinco dias em cada mês, por exemplo.

A mesma lógica aplica-se à semana de 36 horas, que pode ser operacionalizada adicionando uma hora à jornada diária, ou alternando uma semana de quatro dias com uma semana de cinco dias.

Acertos nas semanas com feriados e férias também podem facilitar a transição. Em 2023, dos 15 feriados nacionais, regionais e municipais, 11 ou 12 ocorrem em dias de semana. Nessas semanas já se trabalhariam quatro dias e assim se poderia manter, sem que se transformassem em semanas de três dias.

Quanto às férias, os 22 dias que atualmente permitem quatro semanas e dois dias de férias, permitiriam cinco semanas e dois dias de férias quando só se trabalham quatro dias por semana. Algumas empresas acordam com os trabalhadores que têm de usar cinco dias (e não quatro) sempre que tirarem uma semana de férias completa. Na prática, dos dias de trabalho perdidos – um em cada uma das 52 semanas do ano – quatro são descontados das férias e 12 dos feriados. Com estes acertos, o trabalhador beneficiaria de mais 36 dias de descanso ao longo do ano, um aumento de 25%.

Do lado da empresa, se a jornada diária aumentasse para 8h30m, as horas anuais trabalhadas apenas se reduziriam em 10%, metade da redução de 20% que a primeira impressão sugere. Que impacto poderia isto ter nas grandes empresas?

Compilei os dados dos relatórios de 2021 das 15 empresas do Psi que, juntas, empregam 240 mil trabalhadores. Tudo somado, estas empresas tiveram lucros de 3,5 mil milhões de euros, enquanto os gastos com pessoal ascenderam a 5,2 mil milhões de euros. Se estas empresas adotassem a semana de quatro dias, mesmo assumindo um aumento de 10% do número de trabalhadores (criando 24 mil novos postos de trabalho), os lucros diminuiriam menos de 15%. Nenhuma empresa passaria a ter prejuízo, apenas uma empresa teria uma redução de lucro de mais de 50%, e em nove empresas os lucros diminuiriam menos de 10%. Os analistas esperam que os lucros do Psi aumentem 50% em 2022, logo o impacto máximo nos lucros seria ainda menos significativo.

Embora as grandes empresas, em Portugal e no mundo, tenham capacidade financeira para experimentar a semana de quatro dias sem grande risco, poucas o têm feito. As exceções mais emblemáticas são a Unilever na Austrália e a Microsoft no Japão. A maioria das empresas que a adota são pequenas ou médias. Apesar de terem margens de lucro mais baixas, estas empresas têm mais facilidade de mudança de processos, pois são organizações menos complexas onde o gestor – frequentemente o dono – mantem uma visão global de empresa. Muitas vezes usam a semana de quatro dias precisamente para competir no mercado de trabalho com grandes empresas que oferecem salários mais altos, mas menos tempo livre.

Todas as grandes empresas em Portugal registam nos relatórios a sua preocupação com o equilíbrio trabalho-família dos seus trabalhadores. Não há, por isso, motivos para não efetuar essa experimentação, que pode perfeitamente restringir-se a alguns departamentos ou estabelecimentos em fases iniciais. Só falta audácia.

As empresas interessadas em saber mais sobre o projeto podem inscrever-se nas sessões de esclarecimento, que decorrerão até final de janeiro, no site: https://www.iefp.pt/projetos-e-iniciativas

Pedro Gomes é coordenador da experiência-piloto da semana quatro dias, organizada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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