Série Semana de Quatro Dias (2): uma sopa de pedra

Segundo de uma série de sete textos do coordenador nacional da experiência-piloto da semana de quatro dias, que publicaremos às sextas-feiras.

A conversa sobre a semana de quatro dias como prática de gestão é, essencialmente, uma conversa sobre produtividade. Os benefícios para os trabalhadores são evidentes e reconhecidos por todos, mas só por si não são suficientes. Para ser sustentável, o modelo tem de funcionar para as empresas, que têm de manter ou melhorar a sua competitividade – o que passa por aumentar a produtividade nos restantes dias de trabalho.

A melhoria da produtividade por hora é essencial, mas não é automática. Se é verdade que os trabalhadores mais descansados vão naturalmente trabalhar melhor e com mais criatividade, isso não basta. A semana de quatro dias não é terminar à quinta-feira trabalhando da mesma forma! Requer mudanças de processos dentro da empresa.

Estas mudanças podem passar por coisas tão simples como reduzir o tempo de reuniões e o número de pessoas envolvidas; criar blocos de trabalho para responder a emails, para trabalho coletivo ou para trabalho individual em que ninguém pode ser interrompido de forma a eliminar constantes interrupções que destabilizam a concentração. Também envolve adotar novas tecnologias ou software de agilização de trabalho em equipa, desenhar uma nova interface para o cliente, ou simplesmente tirar partido ao máximo do software existente, por exemplo, da folha de cálculo – para automatizar processos que tipicamente são manuais.

Em restaurantes, pode passar por criar uma aplicação para agilizar pedidos e pagamentos, ou alterar o menu para pratos de mais rápida preparação. No fundo, é preciso mudar a cultura da empresa, para valorizar o tempo – o nosso tempo, o tempo dos nossos colegas, o tempo dos nossos clientes. E, claro, é preciso terminar com as intermináveis pausas para café e a perversa cultura do presentismo.

Porque é que as empresas não fazem tudo isto mantendo a semana de cinco dias? As mudanças de processos desta amplitude são naturalmente difíceis de implementar e enfrentam resistência dos trabalhadores. Estas envolvem horas adicionais de treino e aprendizagem, esforço e empenho conjunto, mas o retorno visível para os trabalhadores é apenas trabalho mais intenso.

Muitas vezes, estas revoluções só são feitas quando a empresa passa por grandes dificuldades, ou quando é sujeita a um choque externo, como foi o caso da pandemia. Aqui reside a grande vantagem da semana de quatro dias. As empresas podem contar com o apoio real e incondicional dos trabalhadores – nenhum será uma força de bloqueio, pois todos estarão conscientes de que são eles os maiores beneficiários. Nas empresas que foram bem-sucedidas em reduzir a semana de trabalho, a gestão definiu objetivos e os princípios gerais da implementação, mas a maioria das mudanças concretas de processos foi determinada coletivamente pelos trabalhadores.

A semana de quatro dias como prática de gestão não é um direito – é um contrato social dentro da empresa que nasce com uma manifestação de confiança por parte da gestão, mas que, em contrapartida, compromete os trabalhadores a esforçarem-se para que funcione, pois se não funcionar será revertida.

Lembram-se da história da sopa de pedra? Na famosa lenda de Almeirim, um frade astuto intriga um lavrador abastado ao propor fazer uma sopa de pedra, e convence-o a ajudá-lo. Depois de pôr água a ferver com uma pedra, vai pedindo alguns ingredientes para condimentar a sopa: sal, azeite e rapidamente avança para as batatas, cenoura, toucinho, chouriço e feijão. Os dois comeram a excelente sopa. Os dois ficaram a ganhar. A lição desta história é que, às vezes, o que parece impossível ou insano pode transformar-se em algo deslumbrante, basta estarmos dispostos a experimentar. É uma história sobre como podemos encontrar soluções inesperadas para os nossos problemas.

A semana de quatro dias é como a sopa de pedra. A maioria das empresas imagina uma pedra dentro da água. Uma minoria de empresas consegue perceber que o processo envolve muitos outros ingredientes. A nossa experiência-piloto foi desenhada para essas empresas, as que percebem que podem utilizar a semana de quatro dias para operar um salto qualitativo na forma de trabalhar. Quem é servido?

As empresas interessadas em saber mais sobre o projeto podem inscrever-se nas sessões de esclarecimento, que decorrerão até final de janeiro, no site https://www.iefp.pt/projetos-e-iniciativas

Pedro Gomes é coordenador da experiência-piloto da semana de quatro dias, organizada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 9 comentários