Série Semana de Quatro Dias (6): uma lição histórica

Ford compreendeu que a melhor forma de valorizar os empregos nas suas fábricas não era aumentar os salários, mas sim reduzir a semana de trabalho de seis para cinco dias

Em 1913, quando Henry Ford implementou a linha de montagem na sua fábrica, a produtividade aumentou de 0,7 para 1,1 carros por trabalhador. Este acréscimo desiludiu Ford que esperava mais e logo exigiu um estudo que identificasse o problema. O estudo concluiu que o problema não era a maquinaria, o desenho da fábrica ou a organização dos processos, mas sim o fator humano

Cada dia, 10% dos seus empregados faltavam ao trabalho e, em média, apenas aguentavam três meses na empresa (uma taxa de rotação de 370% ao ano). Os trabalhadores queixavam-se das horas excessivas, dos baixos salários, e da pressão dos supervisores. A linha de montagem requeria mais disciplina e tornava o dia mais intenso. Por isso, eles preferiam ir para outras fábricas mais tradicionais em Detroit, que pagavam o mesmo, mas cujo serviço era menos exigente.

Ford aprendeu a lição: a melhoria dos processos e intensificação do trabalho, que aumentam a produtividade, não se podem fazer ignorando os efeitos nos trabalhadores. Decidiu então subir o salário na fábrica para 5 dólares por dia – o dobro do salário típico da indústria. Poucos compreenderam a decisão. Anos mais tarde, em 1922, Ford foi posto em tribunal pelos próprios acionistas que o acusavam de gerir a empresa como uma caridade por pagar salários elevados e vender os carros demasiado baratos. Ford perdeu e foi condenado a pagar dividendos extra. Ele chantageou os acionistas dissidentes para que vendessem as ações e recuperou o controlo da empresa.

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Ford implementou a produção em série, na linha de montagem DR

Em 1926, à medida que apurava a tecnologia para produzir o modelo T, Ford compreendeu que a melhor forma de valorizar os empregos nas suas fábricas, não era aumentando os salários, mas sim reduzindo a semana de trabalho de seis para cinco dias. A semana mais curta não só era um benefício único para os trabalhadores, mas também oferecia um retorno em termos de melhoria de produtividade por hora, que compensava a redução de horas. A melhoria da produtividade tinha sido provada por várias experiências que decorreram nas suas fábricas ao longo de três anos. Esta decisão foi determinante para o movimento da semana de cinco dias, porque demostrou que não era uma excentricidade de algumas pequenas empresas e que se poderia operacionalizá-la com sucesso numa grande empresa.

Este exemplo oferece lições fundamentais para percebemos o movimento de hoje em torno da semana de quatro dias.

Primeiro, a incessante busca de aumentos da produtividade não se pode fazer sem compensar os próprios trabalhadores, e esse facto pode ser um fator dissuasor de inovação no seio da empresa.

Segundo, elevadas taxas de absentismo e problemas de recrutamento ou elevada rotação de trabalhadores são grandes obstáculos ao aumento da produtividade porque consumem recursos, destabilizam equipas e impedem os trabalhadores de se aperfeiçoarem nas tarefas, só se podendo resolver com uma significativa melhoria da compensação dos trabalhadores.

Terceiro, enquanto o aumento salarial é a forma mais simples e imediata de melhorar a compensação, a redução da semana de trabalho pode ser uma alternativa mais eficiente, se gerar aumentos significativos de produtividade nos outros dias. A dificuldade é ter de envolver a generalidade dos trabalhadores e a alteração do funcionamento da empresa – que requer um grande esforço – enquanto o aumento de salário pode ser concedido individualmente.

Por fim, este exemplo ilustra a tensão que existe entre o gestor que pode perceber a necessidade de compensar bem os trabalhadores para melhorar o funcionamento da empresa, e os acionistas que podem não compreender esta política porque não estão diretamente envolvidos no dia-à-dia da empresa, e preocupam-se apenas com o lucro anual.

Uma das perguntas que mais oiço quando explico os benefícios da semana de quatro dias é: "Se é tão bom para as empresas, porque é que não adotaram já?" Esta pergunta reflete uma visão romântica das empresas, como máquinas de eficiência. A realidade não é perfeita. Por exemplo, as soluções técnicas para o trabalho remoto já existiam antes da pandemia, bem com a investigação que indicava que melhorava a produtividade, mas a adesão pelas empresas era marginal. Muitas vezes, a inércia, a indecisão e o medo de falhar impedem as empresas de tentar novas soluções. Como dizia Henry Ford, "o medo de falhar é o maior obstáculo do empreendedor" porque o impede de inovar. O medo de falhar é também o maior obstáculo à semana de quatro dias. Não tem de ser. "Falhar é uma forma inteligente de começar outra vez".

As empresas interessadas em saber mais sobre o projeto podem inscrever-se nas sessões de esclarecimento, que decorrerão até final de janeiro, no site: https://www.iefp.pt/projetos-e-iniciativas

Pedro Gomes é coordenador da experiência-piloto da semana quatro dias, organizada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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