Preparar para o desconhecido implica uma atitude de abertura ao novo

A necessidade de preparar as nossas crianças e jovens para lidarem com o novo desafia o modelo escolar assente na transmissão do saber acumulado no passado, sem o substituir.

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"Poderemos ter de regressar a algo de essencial para que possamos avançar" Paulo Pimenta/Arquivo

A função tradicionalmente atribuída à escola consiste na transmissão do património de saber acumulado pela humanidade ao longo de gerações. De acordo com este paradigma, cabe aos professores ensinar esse saber e aos alunos apreendê-lo, para que o possam utilizar na sua vida futura.

Este paradigma há muito que é colocado em causa pelas correntes pedagógicas mais ativas, que privilegiam a aprendizagem significativa e o acesso aos processos através dos quais o saber se elabora. Contudo, não pode dizer-se em abono da verdade que estas metodologias tenham conseguido generalizar-se, por comparação com as correntes mais tradicionais.

Na verdade, fala-se muito das mudanças na escola e das alterações dos currículos, das metodologias didáticas e das medidas de política educativa. Mas, não obstante todas as alterações preconizadas através de dispositivos legais, o que mais me causa perplexidade em diversos contextos pedagógicos é a falta de mudanças efetivamente implementadas no terreno, de forma continuada e consistente. Porque, em muitos casos, até se recorre a algumas das ferramentas das metodologias mais ativas, mas de forma avulsa e sem coerência nem sequencialidade pedagógica. Depois, tudo tende a voltar ao mesmo, com o recurso a atividades mais rotineiras, assentes na transmissão dos conteúdos.

Se esta forma de ensino há muito está obsoleta, o panorama atual faz emergir, com maior clareza e urgência, a necessidade de alteração deste paradigma. Estamos, mais do que nunca, conscientes de que o mundo que espera os nossos filhos e netos não será certamente igual ao nosso. Mais: poderá ser de tal forma diferente que convoque a necessidade de realizarem aprendizagens porventura radicalmente distintas daquelas que fizeram na escola.

Esta necessidade de preparar as nossas crianças e jovens para lidarem com o novo desafia o modelo escolar assente na transmissão do saber acumulado no passado, sem o substituir. Porque continua e continuará sempre a ser muito importante o domínio de conhecimentos básicos, como ler e escrever bem, interpretar corretamente, dominar as ferramentas básicas da matemática e ter uma boa bagagem cultural.

Mas tem de se ir mais longe, rumo a esse desconhecido que nos espera e interpela no tempo futuro, sem que, no tempo presente, possamos saber qual é. Sem dispormos dessa capacidade de antecipar quais os conhecimentos necessários no futuro, cabe à escola do tempo presente preparar os alunos para lidarem com aquilo que ainda não sabemos o que será? Mas como?

A ideia que mais facilmente nos ocorre assim que pensamos em preparar as crianças para o futuro é o reforço da aposta nas mais modernas tecnologias e nos conhecimentos considerados de ponta, alargando o leque da oferta educativa e sobrecarregando o horário dos alunos, de modo a colocá-los na crista da onda. No entanto, se essa aposta se fizer à custa do reforço de mais do mesmo, os alunos até podem apreender os conhecimentos transmitidos — por mais inovadores que sejam —, mas não ficam preparados para aprender aquilo que ainda não sabem. Ou seja, não ficam preparados para o novo.

É que preparar para o desconhecido implica uma atitude de abertura ao novo e é precisamente nesse ponto que reside o grande desafio. Porque não existem receitas infalíveis para incentivar uma atitude de abertura ao novo, essencial para que o ser humano possa elevar-se acima do que já existe, descobrindo os parêntesis transgressivos que abrem portas para aceder àquilo que ainda não conhece.

Atrevo-me a dizer que o acesso a esses parêntesis transgressivos poderá ser conseguido através de um restart. Gostaria de encontrar um sinónimo que descrevesse esta atitude de reiniciar: desligar, parar, voltar a ligar e começar de novo. Mas, seja qual for a palavra, é esse o significado que pretendo conferir a este ato de recomeçar. E não alicerço esta procura na crença de que o caminho para o novo se faz caminhando sempre em frente. Ao invés, poderemos ter de regressar a algo de essencial para que possamos avançar.

Recuando no tempo até à origem da palavra escola, ficamos a saber que, em grego, significava calma, espera e tranquilidade. Nessa época, considerava-se que encontrar a tranquilidade e atrever-se a esperar eram as condições necessárias para o desenvolvimento do pensamento criativo. Essa conceção assentava no pressuposto de que pensar leva tempo e exige uma atitude sossegada e um olhar amplo sobre a condição humana.

Nesta perspetiva, importa resgatar, através da educação, figuras temporais como a contemplação, a espera, a paciência, a vacilação, ou até mesmo a dúvida. Estas figuras não implicam uma irresolução; pelo contrário, consistem num modo de comportamento perante tudo aquilo que escapa a um acesso resoluto, remetendo para outra forma de relação com o mundo, que se opõe à insistência enfática no agir.

Na correria da vida moderna, o pensamento rápido não tem, por natureza, paciência, qualidade graças à qual sabemos esperar antes de julgar e agir, contraposta à decisão rápida do fazer, que parece ter horror ao tempo que passa. Por oposição, o pensamento lento, particularmente desenvolvido no caso do ser humano, é consciente e inerente às escolhas no uso do tempo e no relacionamento com outros homens e com o ambiente que o rodeia.

Para caminhar neste sentido, importa que, a par dos saberes encarados com úteis, como as áreas científicas e tecnológicas, sejam igualmente revalorizados os saberes considerados inúteis − ou menos úteis −, como a memória do passado, as disciplinas humanísticas, a investigação livre, a fantasia, a poesia, a arte, o pensamento crítico e o horizonte cívico que deveria inspirar todas as atividades humanas.

A valorização, desde a primeira infância, das matérias humanistas e das artes nos currículos escolares, abordadas de uma forma transversal, permite cultivar uma leitura abrangente do mundo e desenvolver os talentos e aptidões individuais, que fazem de cada ser humano uma história única e abrem caminho para a criação de novas narrativas.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990.

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