Associações pedem avanço urgente da vacinação preventiva contra a varíola-dos-macacos

Comunicado de 26 organizações criticam a demora na aplicação da “poupança de doses” e na publicação da nova norma de vacinação contra a varíola-dos-macacos. A patente da vacina também está entre os alvos deste apelo.

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Em Portugal, só está regulada a vacinação de pessoas que estiveram em contacto com casos suspeitos ou confirmados de varíola-dos-macacos DADO RUVIC/REUTERS

Na última quinta-feira, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) abriu a porta ao avanço da vacinação preventiva contra a varíola-dos-macacos, depois da publicação da revisão da orientação onde explicita que esta estratégia irá avançar – só não se sabe quando, nem quem é elegível. Esta segunda-feira, 26 organizações não-governamentais assinam um apelo dirigido à DGS, ao Infarmed e ao Ministério da Saúde para uma urgente aprovação da administração intradérmica e avanço da vacinação preventiva.

A actualização da última quinta-feira já indica que a administração intradérmica está aprovada pelo Infarmed. Falta, no entanto, colocá-la em prática. A DGS garantia, na última semana, para breve a publicação da norma que delimitará quem pode receber vacinação preventiva, como será administrada e quando avançará. Ana Aresta, presidente da ILGA - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo (uma das associações signatárias), reforça que este é um “pedido para que haja celeridade no processo”.

A aplicação de uma vacinação intradérmica, também chamada “poupança de doses”, já estava prevista pela DGS desde que a Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla em inglês) emitiu uma recomendação favorável, a 19 de Agosto. O apelo assinado esta segunda-feira por associações ligadas aos direitos LGBTQIA+ ou à saúde, como a ILGA, a Abraço ou o GAT, afirma a urgência de “privilegiar a administração intradérmica” que permitirá vacinar até cinco pessoas com um só frasco. No comunicado afirmam ainda que, “desde a aprovação da EMA”, deveria ter havido o compromisso de rever a norma de vacinação.

No mesmo comunicado, estas organizações afirmam que “o caminho a seguir” é um modelo de vacinação em casa aberta, à imagem do que acontece em França, para as pessoas mais afectadas por este surto: “pessoas com múltiplos parceiros sexuais, pessoas que tenham contraído recentemente infecções sexualmente transmissíveis, homens gays, bissexuais e outros homens que têm sexo com homens, principalmente com múltiplas pessoas parceiras, pessoas trabalhadoras do sexo – e outras pessoas com maior risco de exposição, neste momento ou em momentos futuros.”

O alargamento da vacinação, até agora circunscrita apenas a pessoas que tiveram contacto com casos confirmados ou suspeitos de varíola-dos-macacos (monkeypox ou VMPX), estava nos planos da autoridade de saúde portuguesa desde o final de Julho. A então porta-voz da DGS para o VMPX, Margarida Tavares, indicava que a vacinação preventiva de “pessoas com múltiplos parceiros sexuais, com parceiros novos ou anónimos” poderia avançar no futuro.

Dois meses depois, as declarações da agora secretária de Estado da Promoção da Saúde podem ver luz verde na norma de vacinação que a DGS terá de publicar para consumar a vacinação preventiva. Além de pessoas com múltiplos parceiros sexuais, o documento que já se encontra em produção deverá incluir também profissionais do sexo e quem faz profilaxia pré-exposição (PrEP, um comprimido diário ou intermitente eficaz na prevenção da transmissão do VIH).

A inclusão de homens que têm sexo com outros homens também poderá ser uma hipótese, à imagem do que acontece noutros países como a Alemanha ou o Reino Unido. No entanto, não existe qualquer indicação neste sentido pela DGS.

Portugal tem mantido uma tendência de queda ao longo do último mês, tendo confirmado no final da semana passada apenas mais dez casos de VMPX (num total de 908 desde Maio), um registo bem diferente dos primeiros meses do surto – em que Portugal liderou a lista de países com mais casos confirmados por milhão de habitantes. Este declínio no continente europeu não baixa a guarda da Organização Mundial da Saúde, que continua atenta à evolução de casos (apesar de ser a América a maior preocupação actual).

A presidente da ILGA, Ana Aresta, avança que apesar da diminuição de casos, impõe-se alguma precaução por se tratar de um período de férias. “Continuamos com um sentimento de cautela. Temos de perceber efectivamente porque baixaram os números e não podemos deixar cair a vacinação preventiva”, diz. Tanto a ILGA como outras organizações que assinam este apelo têm estado em reuniões regulares com a DGS, participando na gestão do surto de VMPX.

Distribuição desigual

“Falta também uma comunicação e actuação clara e transparente sobre a situação europeia em relação aos diferentes problemas com as vacinas disponíveis (garantindo o uso das vacinas pós-exposição) e o calendário de entregas”, lê-se no comunicado.

No início deste mês, a Comissão Europeia contratualizou mais de 170 mil vacinas contra o VMPX. A esta nova compra junta-se as mais de 164 mil doses das primeiras duas compras conjuntas, num total de mais de 330 mil vacinas compradas à farmacêutica dinamarquesa Bavarian Nordic. A vacina de terceira geração contra a varíola, a Imvanex, tem sido a principal linha de defesa utilizada nos países afectados pelo surto de VMPX.

De todas as doses contratualizadas, Portugal recebeu 2700, na única entrega feita até à data. Esta limitação no acesso às vacinas deve-se ao modo como foram divididas entre os estados-membros: “Como as doses foram distribuídas per capita – os países maiores tiveram mais doses e os mais pequenos menos, independentemente da dimensão dos casos que estão a sofrer”, comentava Margarida Tavares, quando ainda era porta-voz da DGS para este surto, em declarações ao PÚBLICO no final do mês de Julho.

Questionada pelo PÚBLICO, a Comissão Europeia não avança como será feita a distribuição das vacinas adquiridas nesta nova compra conjunta.

“O facto de estarmos reféns desta distribuição de vacinação e de não termos stock de vacinas faz com que demorem muito tempo a chegar. É uma questão a nível europeu que é importante para que a DGS não fique refém destas políticas discriminatórias”, explica Ana Aresta, atentando para o modelo de distribuição existente.

No comunicado, a farmacêutica dinamarquesa também é visada: “Parece-nos que a posição da Bavarian Nordic, a companhia detentora da patente da vacina, que não faz acordos com outras empresas com capacidade de produção instalada e pede um preço exorbitante por cada vacina, não é aceitável num cenário de crise de saúde pública.”

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