Putin terá rejeitado acordo com a Ucrânia no início da guerra. Kremlin nega

Agência Reuters avança que Kiev teria concordado em afastar-se da NATO, mas Presidente russo insistiu na anexação de partes de território ucraniano. Moscovo nega: “Isto não tem relação nenhuma com a realidade.”

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O presidente russo, Vladimir Putin EPA/GAVRIIL GRIGOROV/SPUTNIK/KREMLIN POOL

O principal emissário de Vladimir Putin na Ucrânia ofereceu ao Presidente russo, nos primeiros dias da invasão da Ucrânia, a possibilidade de um acordo preliminar com Kiev que impediria a integração da Ucrânia na NATO, uma das principais exigências de Moscovo.​ Putin rejeitou o acordo e decidiu continuar com a campanha militar, garantem à agência Reuters três pessoas próximas da liderança russa.

O emissário Dmitry Kozak, nascido na Ucrânia, disse a Putin que acreditava que o acordo evitaria a necessidade de uma invasão, segundo as fontes ouvidas pela Reuters.

Antes da guerra, Putin tinha vindo a insistir na ideia de que a NATO e a sua infra-estrutura militar se aproximavam cada vez mais da fronteira russa ao aceitar novos membros na Europa de Leste, e de que a aliança estava agora a preparar-se para incorporar a Ucrânia na sua órbita. O Presidente russo afirmou publicamente que isto representava uma ameaça existencial para a Rússia, factor que o tinha obrigado a reagir.

Apesar de ter apoiado as negociações num primeiro momento, quando lhe foi apresentada a proposta de acordo conseguida por Kozak Putin deixou claro que as concessões negociadas pelo emissário não eram suficientes e que os seus objectivos se tinham alargado e incluíam agora a anexação de parcelas de território ucraniano, dizem as fontes. Como consequência desta intenção, o acordo não se materializou.

Moscovo deixou vários tanques para trás quando retirou de Kharkiv Reuters/UKRAINIAN ARMED FORCES
Soldados ucranianos preparam-se para transportar um tanque que as tropas russas deixaram em Kharkiv Reuters/UKRAINIAN ARMED FORCES
Além das munições, as tropas russas deixaram também material de protecção como capacetes Reuters/UKRAINIAN ARMED FORCES
As munições russas encontradas foram verificadas pelas tropas ucranianas Reuters/STATE SECURITY SERVICE OF UKRAIN
As tropas russas deixaram para trás tanques de guerra Reuters/UKRAINIAN ARMED FORCES
As tropas russas deixaram para trás tanques de guerra Reuters/UKRAINIAN ARMED FORCES
Várias munições foram capturadas por Kiev Reuters/STATE SECURITY SERVICE OF UKRAIN
Kiev capturou bombas e munições que as tropas russas deixaram Reuters/UKRAINIAN ARMED FORCES
Soldados ucranianos transportaram um tanque que as tropas russas deixaram em Kharkiv Reuters/UKRAINIAN ARMED FORCES
Ao deixar Kharkiv, os soldados russos deixaram um rasto de material e destruição Reuters/UKRAINIAN ARMED FORCES
Nos esconderijos russos em Kharkiv ficaram vários materiais militares agora capturados pelas tropas de Kiev Reuters/UKRAINIAN AIR ASSAULT FORCES COM
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Moscovo deixou vários tanques para trás quando retirou de Kharkiv Reuters/UKRAINIAN ARMED FORCES

Questionado sobre as informações recolhidas pela agência Reuters, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse: “Isto não tem relação nenhuma com a realidade. Nenhuma coisa destas alguma vez ocorreu. É totalmente informação incorrecta.”

Kozak não respondeu aos pedidos de esclarecimentos enviados através do Kremlin.

Mykhailo Podolyak, conselheiro do Presidente ucraniano, acredita que a Rússia usou as negociações como uma manobra de diversão durante a preparação da invasão, mas não respondeu a perguntas sobre o conteúdo das conversações nem confirmou que um acordo provisório tinha sido assinado. “Hoje, percebemos claramente que o lado russo nunca esteve interessado numa resolução pacífica”, resumiu.

Duas das três fontes ouvidas pela Reuters afirmam que um último esforço para que o acordo fosse celebrado foi promovido imediatamente após o início da guerra. Em dias, Kozak acreditou que tinha conseguido garantir a principal exigência russa, aconselhando Putin a aceitar as condições, dizem as fontes ouvidas pela Reuters.

Depois de 24 de Fevereiro, Kozak recebeu ‘carta branca’: deram-lhe ‘luz verde’, ele conseguiu o acordo. Trouxe-o de volta e disseram-lhe para parar. Foi tudo cancelado. Putin simplesmente mudou o plano conforme ia avançando”, disse uma das fontes próximas da liderança russa.

A terceira fonte – que ouviu relatos dos acontecimentos através de pessoas com conhecimento das conversas entre Kozak e Putin – apresenta diferenças quanto ao timing do acordo, dizendo que Putin o rejeitou poucos dias antes da invasão. Todas as fontes pediram para manter o anonimato devido ao carácter confidencial e sensível destas informações.

Kozak afastado

A ofensiva de Moscovo na Ucrânia é a maior campanha militar na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. A invasão motivou sanções económicas de larga escala contra a Rússia e o apoio militar à Ucrânia por parte de Washington e dos seus aliados Ocidentais.

Mesmo que Putin tivesse aceitado o acordo proposto por Kozak, não é certo que a guerra tivesse terminado. A Reuters não conseguiu verificar de forma independente se o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky ou os responsáveis no seu Governo estavam empenhados num acordo nestes termos.

Kozak, de 63 anos, é um apoiante fiel de Putin desde que trabalhou com ele na década de 1990, no gabinete da presidência de São Petersburgo.

O emissário estava bem colocado para negociar um acordo de paz porque, desde 2020, tinha sido encarregado por Putin de conduzir as negociações com os homólogos ucranianos sobre a região do Donbass – controlada por separatistas russos desde 2014. Após liderar a delegação russa nas conversações com responsáveis ucranianos em Berlim a 10 de Fevereiro – intermediadas pela França e Alemanha – Kozak adiantou que a ronda de negociações terminou sem um acordo.

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Ucrânia foi invadida a 24 de Fevereiro UKRAINIAN PRESIDENTIAL PRESS SERVICE /HANDOUT HANDOUT

Kozak também era também um dos presentes quando, três dias antes da invasão, Putin reuniu os responsáveis militares e de segurança no Kremlin para uma reunião do Conselho de Segurança russo. As câmaras de televisão estatais captaram parte da reunião, na qual Putin traçou os planos para o reconhecimento formal das regiões separatistas na Ucrânia.

Assim que as câmaras foram retiradas da sala, Kozak opôs-se à intensificação do conflito por parte da Rússia, garantem duas das fontes ouvidas pela Reuters, bem como uma terceira que ouviu relatos da reunião por outros que estiveram presentes.

Uma pessoa entrevistada pela Reuters, que ajudou nas negociações após a invasão, diz que as conversações caíram por terra no início de Março, quando os responsáveis ucranianos perceberam que Putin estava determinado a avançar com uma invasão de grande escala.

Seis meses depois do início da guerra, Kozak permanece no cargo de vice-chefe de gabinete do Kremlin. Mas já não tem o dossiê ucraniano, de acordo com seis fontes que falaram com a Reuters. “Pelo que percebo, Kozak está ausente”, diz uma fonte próxima da liderança separatista na Ucrânia oriental.

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