Suspensão do aumento da taxa de carbono terá de ser “efectivamente temporária”

O preço do carbono aumentou quase dez vezes desde 2015, quando esta taxa foi introduzida em Portugal. Embora a tendência normal fosse para o seu agravamento, segundo o princípio do poluidor-pagador, dirigente da Zero admite que seja “revisitada”

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O transporte rodoviário é o principal sector responsável por emissões de gases com efeito de estufa Nelson Garrido

O prolongamento até ao final do ano da suspensão do aumento da taxa de carbono, aplicada aos combustíveis fósseis, foi uma das medidas anunciadas esta segunda-feira pelo primeiro-ministro para apoio aos rendimentos das famílias, com o objectivo de aliviar os efeitos da inflação e do aumento dos custos energéticos. Na verdade, a actualização desta taxa está suspensa desde Março, e tem permitido tirar cinco cêntimos por litro ao preço dos combustíveis.

O valor desta taxa é de 23,921 euros por tonelada de carbono desde 2021. “É calculada em função do preço do carbono e o facto é que se se actualizasse a taxa, o preço do carbono neste momento já está próximo dos 100 euros por tonelada e isso iria ter um reflexo grande nos preços dos combustíveis”, considera Francisco Ferreira, dirigente da associação ambientalista Zero. Pode ser necessário vir a repensar o cálculo de actualização da taxa, diz.

“Percebemos que, por razões conjunturais, se possa ter alguma tolerância para não mexer na taxa de carbono”, diz Francisco Ferreira. “Mas o Governo deve clarificar que se trata de uma medida efectivamente temporária. Vamos de ter de regressar progressivamente à aplicação da taxa de carbono aos combustíveis”, sublinha.

Isto porque o valor arrecadado com a cobrança da taxa de carbono – que foi introduzida pelo Governo Passos Coelho em 2015, no contexto da fiscalidade verde –, é canalizado para o Fundo Ambiental. Este fundo tem por finalidade apoiar políticas ambientais para o desenvolvimento sustentável e cumprir objectivos relativos às alterações climáticas. “Não é um dinheiro que desaparece para o Estado, é um dinheiro que tem que é alocado directamente a acções em prol da descarbonização”, frisa Francisco Ferreira.

Além disso, o transporte rodoviário é neste momento o principal sector emissor de gases com efeito de estufa, recorda Francisco Ferreira. “E, no entanto, mesmo com preços extremamente elevados, os números da venda de gasóleo e gasolina não têm apresentado descidas significativas ao longo dos últimos meses. Portanto, é preciso ter instrumentos fiscais a funcionarem activamente na aplicação do princípio do poluidor-pagador”, explica.

Repensar a fórmula de cálculo

A verdade, no entanto, é que o valor da taxa de carbono pode vir a ter de ser recalculado, admite Francisco Ferreira. “Não era expectável que o carbono passasse de dez a 15 euros aqui há cinco, seis anos, e atingisse agora 100 euros. Porque a taxa é calculada em função do preço do carbono, isto é algo que merece ser revisitado”, diz.

Portugal é o sétimo entre 14 países da União Europeia com taxas de carbono mais elevadas, numa análise do início deste ano do Tribunal de Contas Europeu. Apesar disso, dizia o relatório de Janeiro, a taxação só abrange 29% do total de gases com efeito de estufa emitidos em Portugal e como um todo, os níveis de tributação da energia na UE não cumprem os objectivos climáticos de Bruxelas. Então, se é preciso repensar a taxa, o objectivo seria aumentar o valor ou fazê-la baixar?

“Pois, vamos ter de perceber como é que esta fórmula funciona. Porque a ideia seria para aumentar, mas quando temos preços de combustível tão elevados, isso deve-nos levar a alguma precaução. Por outro lado, não nos podemos esquecer que o transporte rodoviário é o principal sector responsável por emissões de gases com efeito de estufa e que, apesar do elevado preço, isso não se reflecte na redução das vendas de gasóleo e da gasolina, em relação ao período pré-pandemia”, repete o ambientalista.

Mas há nova legislação europeia em preparação sobre para a aplicação de licenças de emissão no transporte rodoviário, “e isso vai obrigar a um ajustamento fiscal”, frisa Francisco Ferreira.

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