O gelo da Antárctida ainda tem salvação — mas temos de limitar a subida das temperaturas

Se cumprirmos o Acordo de Paris, conseguiremos evitar que o derretimento da camada de gelo da Antárctida Oriental leve a uma subida caótica do nível do mar, refere um estudo. Temos pouco tempo para agir. “É muito importante que não acordemos este gigante adormecido.”

Foto
Com o derretimento dos glaciares, é adicionada mais água líquida ao mar Richard Jones

Ao longo dos últimos anos, temos lido muitas notícias e visto muitas imagens relativas ao derretimento dos glaciares, que as alterações climáticas têm exacerbado e que têm impactos significativos — o degelo dos glaciares leva a que seja adicionada mais água líquida ao mar, o que contribui para a subida do nível médio do oceano. Mas o vasto manto de gelo da Antárctida Oriental (EAIS, na sigla inglesa), que é o maior do planeta, ainda pode ser salvo. Temos é de cumprir as metas traçadas no Acordo de Paris e, até ao final do século XXI, limitar a subida da temperatura a 1,5 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais.

​Sublinha-o um estudo publicado na revista científica Nature. Uma equipa de cientistas norte-americanos, australianos, britânicos e franceses, liderada por Chris Stokes, do Departamento de Geografia da Universidade de Durham (Reino Unido), estudou a sensibilidade do EAIS, debruçando-se, por um lado, sobre a forma como subidas relevantes de temperatura no passado afectaram o manto de gelo. Os cientistas também identificaram, olhando para imagens de satélite, zonas do EAIS onde está neste momento a ocorrer um emagrecimento do manto.

A equipa analisou ainda várias simulações computadorizadas, feitas por outros cientistas noutros estudos, para perceber de que modo diferentes quantidades de emissões de gases com efeito de estufa (GEE), e também diferentes escaladas possíveis no que diz respeito à subida das temperaturas, poderão vir a colocar pressão sobre o EAIS nos próximos séculos.

Foto
Zona montanhosa da Antárctida Oriental Jan Lenaerts

O estudo sugere que, caso consigamos chegar a 2100 com uma redução drástica das emissões de GEE e uma subida apenas marginal da temperatura desde 2022, o derretimento do EAIS deverá ter contribuído para cerca de dois centímetros de subida do mar. Por contraponto, o gelo da Gronelândia e da Antárctida Ocidental têm derretido de forma tão expressiva que é de se prever que, na mesma janela temporal, esse degelo venha a resultar em níveis muito mais “substanciais” de subida do mar, dizem os autores.

Se as metas do Acordo de Paris não forem alcançadas, será “muito improvável” o derretimento do EAIS ser tão (relativamente) brando, assinalam os investigadores. Se continuarmos com uma atmosfera cheia de GEE nos próximos séculos, salientam, é possível que o degelo do EAIS contribua para um a três metros de subida do mar por volta de 2300 — e dois a cinco metros por volta de 2500.

Juntando estes valores aos números do derretimento na Gronelândia e na Antárctida Ocidental, milhões de pessoas que vivem nas áreas costeiras do mundo podem vir a ser ameaçadas, alerta o estudo.

Caso o Acordo de Paris seja cumprido e a renúncia aos combustíveis fósseis cresça de forma ambiciosa com o passar dos séculos, deverá ser possível evitar que o EAIS derreta “significativamente”. Na melhor das previsões dos investigadores, o derretimento terá contribuído para não mais do que 0,5 metros de subida do mar por volta de 2500.

Foto
Chris Stokes, autor principal do estudo Universidade de Durham/North News and Pictures

“A janela é muito curta”

“O manto de gelo da Antárctida Oriental contém o equivalente a 52 metros de nível do mar. É muito importante que não acordemos este gigante adormecido”, referiu Chris Stokes, num comunicado de imprensa. “Costumávamos pensar que a Antárctida Oriental era, comparativamente aos mantos de gelo da Gronelândia ou da Antárctida Ocidental, muito menos vulnerável às alterações climáticas. Mas agora sabemos que já há algumas áreas da Antárctida Oriental que estão a mostrar sinais de perda de gelo”, apontou, sublinhando que, nos sítios onde o manto entra em contacto com correntes oceânicas quentes, o derretimento é “especialmente” evidente e relevante.

Ao analisar o impacto no EAIS de períodos anteriores de temperaturas anormalmente quentes, a equipa concluiu que, ao passo que o aquecimento acelerado das últimas décadas só pode ser explicado pela acção humana e pela abundância excessiva de GEE na atmosfera, o aquecimento passado ocorreu ao longo de um período temporal muito maior — e deveu-se, sobretudo, a mudanças na forma como a Terra orbita em torno do Sol.

Foto
"O manto de gelo da Antárctida Oriental contém o equivalente a 52 metros de nível do mar", diz Chris Stokes Richard Jones

“Uma lição vital do passado é que o EAIS é muito sensível a cenários de subida das temperaturas, por mais que a subida em questão seja relativamente modesta. O manto de gelo não é tão estável como outrora se pensou”, comentou, também num comunicado, Nerilie Abram, professora na Universidade de Camberra (Austrália) e co-autora do estudo. A investigadora avisa que a janela de oportunidade que temos para “reduzir rapidamente as nossas emissões de GEE, travar a subida das temperaturas e preservar o EAIS” é “muito curta”.

​Menos 12 mil milhões de toneladas de gelo em 25 anos

Também esta quarta-feira, e também na Nature, foi publicado um outro estudo sobre a Antárctida. Feito por investigadores da agência espacial norte-americana NASA, que analisaram imagens de satélite, o estudo diz que os glaciares da Antárctida estão a perder gelo e a partir-se. Por outras palavras, estão a formar-se muitos icebergues.

A NASA estima que, entre as quebras de pedaços de gelo e o derretimento motivado pelo aumento das temperaturas, os glaciares da Antárctica perderam 12 mil milhões de toneladas de gelo desde 1997. Isto supera largamente aquelas que eram as estimativas anteriores, aponta o estudo.

Sugerir correcção
Comentar