Antárctida perdeu três biliões de toneladas de gelo desde 1992

Num estudo na revista Nature, mais de 80 cientistas alertam que, nos últimos 25 anos, a perda de gelo na Antárctida contribuiu para uma subida do nível médio do mar de 7,6 milímetros.

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Acampamento de cientistas na Península da Antárctida Hamish Pritchard
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Icebergue na Península da Antárctida Andrew Shepherd
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Cientistas da Universidade de Leeds a trabalharem Ian Potten
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Icebergue na Península da Antárctida Andrew Shepherd

Se quisermos perceber o efeito das alterações climáticas no planeta, a camada de gelo na Antárctida é um indicador crucial. Esta quinta-feira num artigo científico na revista Nature surgem novos números sobre esse indicador: a Antárctida perdeu cerca de três biliões de toneladas de gelo entre 1992 e 2017, o que corresponde a uma subida do nível médio do mar de cerca de oito milímetros. Além disso, esta edição da Nature traz mais quatro artigos que exploram diferentes aspectos do passado, do presente e do futuro desta região. Num deles, uma equipa de cientistas – na qual participa o português José Xavier – traça dois cenários (um mais pessimista e outro mais optimista) para o continente e oceano Antárctico em 2070.

Por que é que a Antárctida é um bom indicador para o estudo das alterações climáticas e da subida do nível do mar? A resposta surge logo no início do artigo sobre a perda de gelo: “As camadas de gelo da Antárctida têm água suficiente para aumentar o nível global do mar em 58 metros.” Por isso, compreender o balanço da massa de gelo – o saldo líquido de ganhos e perdas – é fundamental para estimar as mudanças nessa região. Só desde 1989, já se fizeram mais de 150 análises às perdas da massa de gelo no continente.

Agora, a equipa do projecto Exercício de Intercomparação do Balanço da Massa da Camada de Gelo (IMBIE) – que contou com 84 cientistas de 44 instituições – analisou 24 estimativas da camada de gelo baseadas em observações de satélite entre 1992 e 2017. Depois, combinou esses dados com modelações do balanço da massa de gelo superficial.

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Na Península da Antárctida Ian Potten

Na Antárctida Ocidental (que ocupa cerca de 1,8 milhões de quilómetros quadrados) registou-se a maior perda de gelo. Se nos anos 90 o gelo diminuía 53 mil milhões de toneladas por ano, desde 2012 perderam-se 159 mil milhões. “A maioria [das perdas] surge na enorme ilha de Pine e no glaciar de Thwaites, que estão rapidamente a recuar devido ao degelo”, lê-se num comunicado da Universidade de Leeds (Reino Unido).  

Na Península da Antárctida (que se estende por cerca de 228 mil quilómetros quadrados), o maior responsável pela redução de gelo foi o colapso de plataformas de gelo, o que levou a um aumento de sete mil milhões para 33 mil milhões de toneladas de gelo perdidas por ano entre 1992 e 2017.  

Quanto à Antárctida Oriental, que é muito grande, com cerca de 9,9 milhões de quilómetros quadrados, os resultados são mais “incertos” e praticamente “indistinguíveis de zero”, segundo um resumo sobre o trabalho, e até ganhou cerca de cinco mil milhões de toneladas de gelo por ano.

Aumento a partir de 2012

No total, a Antárctida perdeu cerca de três biliões de toneladas de gelo desde 1992. “É a medição mais fiável da subida do nível do mar devido à perda de gelo na Antárctida – um aumento de 7,6 milímetros desde 1992”, frisa Andrew Shepherd, da Universidade de Leeds e um dos cientistas que liderou o estudo.  

Mas há um aspecto ainda mais preocupante: “Podemos dizer com confiança que a perda de gelo triplicou desde 2012.” Antes de 2012, a perda era de 76 mil milhões de toneladas por ano, ou seja, o nível do mar aumentou 0,2 milímetros por ano. Já entre 2012 e 2017 houve uma diminuição de 219 mil milhões de toneladas de gelo por ano, havendo assim uma subida no nível do mar de 0,6 milímetros por ano.  

“O aumento [da perda de gelo] deve-se ao degelo e ao colapso das plataformas de gelo ”, diz Andrew Shepherd. “Se o oceano arrefecer e as plataformas de gelo voltarem a aumentar, então o degelo poderá desacelerar. Mas é preciso que o oceano arrefeça, e isso poderá não acontecer imediatamente.”

Questionado se Portugal será um dos países mais afectados por estas perdas de gelo, Andrew Shepherd responde que é difícil dizer quais serão os mais prejudicados. A equipa frisa ainda que as análises ao balanço da massa de gelo poderão ser melhoradas, nomeadamente através de reavaliações dos levantamentos de satélites nos anos 90.

Mas esta edição da Nature não se resume aos resultados deste estudo. Em três artigos de revisão, diferentes equipas de cientistas percorrem a história do clima do planeta e da Antárctida através dos seus núcleos de gelo, analisam a influência global das dinâmicas locais do oceano Antárctico e constatam como as observações por satélite transformaram a nossa visão sobre a criosfera na Antárctida.

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Fendas na ilha de Pine Ian Joughin/Universidade de Washington

Por fim, há um artigo que nos deixa outro alerta: se não tomarmos as decisões certas na próxima década para preservar a Antárctida, as consequências serão sentidas em todo o mundo. Para mostrar como o futuro pode ser diferente consoante as nossas acções, uma equipa de cientistas, que inclui o biólogo José Xavier, da Universidade de Coimbra e do British Antarctic Survey (Reino Unido), traçou dois cenários opostos (e extremos, mas plausíveis) desta região em 2070. Esses cenários foram baseados em modelos do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU.

Vejamos o cenário mais gravoso (RCP8.5). Chegámos a 2070 e, nos últimos 50 anos, as emissões de gases com efeito de estufa não pararam de aumentar, houve falta de acção para as diminuir, a população mundial chegou aos dez mil milhões e há mais de um milhão de turistas por ano na Antárctida.

“Neste cenário, as temperaturas em 2070 poderão ser mais 3,5 graus Celsius do que o observado no século XIX, bem superior ao discutido no Acordo de Paris”, diz José Xavier, que já esteve em nove expedições na Antárctida desde 1999. “As consequências serão enormes, por exemplo, com a contribuição da Antárctida para o aumento do nível do mar em mais 25 centímetros, o processo de acidificação dos oceanos mais evidente e um aumento significativo da exploração dos seus recursos, como as pescas.”  

O biólogo vê com grande preocupação a governação da Antárctida, que, neste cenário, passou a ser focada na exploração dos recursos, em vez da sua conservação. “Mais, assim que estes processos físicos e biológicos se iniciem a larga escala (exemplo do degelo e consequente aumento do nível do mar), a tendência será para aumentar e poderão ser irreversíveis.”

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Aumentar

Entremos num cenário mais optimista (RCP 2.6) em 2070. A cooperação internacional e medidas eficazes fizeram reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, a perda de gelo na Antárctida abrandou e houve uma gestão equilibrada da presença humana lá.

“É de realçar que todos os factores preocupantes salientados no artigo (exemplo do aumento no nível do mar, aquecimento global, degelo e acidificação do oceano) são apenas atenuados e reduzidos (e não necessariamente invertidos)”, frisa José Xavier. “No entanto, a boa gestão dos recursos (por exemplo, junto da Comissão para a Conservação de Recursos Marinhos Vivos da Antárctida) poderá ser fundamental para tentar suster estas mudanças.”  

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O biólogo José Xavier DR

Que acontecerá aos pinguins?

Quanto ao trabalho de investigação, José Xavier e a sua equipa da Universidade de Coimbra têm estudado como é que animais da Antárctida – pinguins, focas ou albatrozes – se adaptarão às alterações climáticas, assim como o que poderá aprender-se com eles sobre o que acontecerá noutras partes do planeta. Como sobreviverão num cenário mais gravoso? “Através dos nossos estudos científicos e ligações a políticas da Antárctida, evidenciámos que os ecossistemas marinhos se alterarão bastante em predadores de topo com o declínio de populações de pinguins. O mesmo poderá acontecer a algumas espécies de albatrozes, que até tentam mudar de dieta, mas sem sucesso, e irão exibir problemas de sobrevivência num contexto de emissões altas”, indica o biólogo. “O mesmo irá acontecer no cenário de baixas emissões, mas os efeitos serão atenuados.”

E quanto ao Tratado da Antárctida, que determinou que o continente só deverá ser usado para fins pacíficos e científicos até 2041? “No cenário das emissões altas, estima-se que haverá pressões para que se possa explorar os recursos mineiros”, aponta José Xavier, chefe da delegação de Portugal nas reuniões do tratado, que o país ratificou em 2010. E acrescenta que, embora haja mais países interessados em explorar os recursos da Antárctida, o protocolo ambiental do tratado prevalecerá. Já no cenário mais optimista, o biólogo diz que se prevê uma melhor relação entre o tratado e as Nações Unidas nas questões dos programas ambientais.

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Na Península da Antárctida Hamish Pritchard/British Antarctic Survey

“As decisões tomadas na próxima década irão determinar qual destes cenários irá ocorrer, pois as emissões terão de começar a decrescer para realisticamente seguirmos o cenário de baixas emissões”, considera o biólogo. “No caso particular da Antárctida, é necessário compreender que as mudanças lá vão ter consequências no resto do planeta (como o nível do mar) e só com fortes colaborações internacionais e interdisciplinares e com fortes provas científicas será possível estabelecer políticas para uma gestão satisfatória da região Antárctida e ajudar a gerir o resto do planeta.” Ainda vamos a tempo de salvar este continente longínquo.

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