Governo promete remodelar urgências e deixa cair meta de dar médico de família a todos os utentes do SNS

Sem grandes novidades e várias promessas antigas. Governo propõe-se agora abranger 80% da população com USF, rever incentivos para fixar médicos, avançar com a dedicação plena e valorizar a carreira dos enfermeiros. A construção ou modernização de 100 centros de saúde é uma das poucas medidas mensuráveis.

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Paulo Pimenta

O novo Governo promete construir ou modernizar, até 2026, 100 unidades de cuidados de saúde primários, como já tinha feito no programa eleitoral para a área da saúde, que copia agora praticamente na íntegra. Esta é uma das raras promessas mensuráveis elencadas no documento em que o novo executivo liderado por António Costa se compromete a aumentar o número dos médicos de família (actualmente há mais de um milhão de inscritos nos centros de saúde sem clínico atribuído) sem especificar, porém, quaisquer números ou projecções para os próximos quatro anos e sem renovar a promessa, incluída em anteriores programas de governo, de garantir uma equipa de saúde familiar a todos os portugueses.

Durante os debates para as legislativas, António Costa disse que não se voltaria a comprometer com uma data para a atribuição de um médico de família a todos os utentes (como fez em 2015) e neste programa essa é uma referência omissa. Aliás, o Governo avisa que a aposentação de “um número significativo de médicos de família é uma tendência demográfica que ainda se prolongará até 2024” e assume que este problema, associado ao do “aumento de inscritos no SNS”, não permitiu “ainda o cumprimento da meta de cobertura de todos os inscritos no SNS por uma equipa de saúde familiar”.

Mas reforça a promessa do aumento do número de Unidades de Saúde Familiar (USF) – um modelo organizativo dos centros de saúde em que médicos e enfermeiros têm autonomia e remunerações diferentes de acordo com o cumprimento de metas – como forma de atrair mais profissionais de saúde e dar melhor resposta aos utentes. No entanto, adianta apenas que, nos próximos quatro anos, se pretende que 80% da população esteja abrangida por uma USF. Este é um modelo elogiado, até por organizações internacionais, mas o seu alargamento a todo o território tem avançado com grande lentidão - a reforma dos cuidados de saúde primários já leva mais de 15 anos.

Já a nível hospitalar, o executivo anuncia, mais uma vez, a construção dos novos hospitais (Central do Alentejo, Lisboa Oriental, Seixal, Central do Algarve e a maternidade de Coimbra), cujo arranque e concretização vêm sendo apregoados há anos.

Sobre os serviços de urgência - que estão actualmente com picos de procura e a rebentar pelas costuras -, compromete-se novamente a “rever” o seu “modelo de organização e funcionamento”, sem especificar que tipo de medidas tem em mente. São, basicamente, declarações de intenção, algumas das quais tem vindo a repetir desde 2015, no seu primeiro mandato.

É interessante revisitar as promessas feitas na altura. No programa para 2015-2019, o executivo reconhecia que “o colapso sentido no acesso às urgências” era “a marca mais dramática do actual Governo” e sublinhava que era necessário “recuperar o funcionamento dos hospitais intervindo a montante, através da criação e mais unidades de saúde familiares, e a jusante, na execução do plano de desenvolvimento de cuidados continuados”. Mas apenas se comprometeu, até ao final dessa legislatura, a criar 100 novas USF. No segundo mandato, iniciado em 2019, dizia que iria “rever e universalizar o modelo das USF a todo o país”, mas também foi impondo quotas.

Um piscar de olho aos profissionais

Neste novo programa, e dois anos depois do início da pandemia no país, o Governo sublinha que tenciona aprovar uma lei de emergência em saúde pública, aproveitando os trabalhos já realizados por uma comissão criada para esse efeito.

Quanto aos recursos humanos, reconhece ter uma “particular preocupação” com a motivação e retenção dos profissionais de saúde que “são, desde sempre, o garante da qualidade da prestação do SNS”. Mas serão precisas mais do que palavras para que estes fiquem convencidos do empenho do Governo.

No programa, fica a promessa de continuar com o reforço do número de trabalhadores do SNS, assim como a de avançar com o propalado regime de dedicação plena, previsto no Estatuto do SNS (que ainda está por aprovar), começando por alguns médicos e com negociação sindical para definição do acréscimo de horário e de remuneração.

O Governo diz que vai proceder igualmente a uma revisão dos incentivos para fixar médicos em zonas carenciadas e que vai avançar com medidas que reduzam o recurso às empresas de prestação de serviços - mais uma promessa antiga que até agora não teve resultados práticos. No ano passado, o SNS contratou 4,9 milhões de horas de prestação de serviço no valor de 142 milhões de euros.

Deixa ainda a promessa de valorizar as carreiras dos enfermeiros, “designadamente através da reposição dos pontos perdidos aquando da entrada na nova carreira de enfermagem” e a de criar a carreira de técnico auxiliar de saúde. E quer também promover a integração de mais dentistas no SNS.

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