EUA apertam sanções contra a Rússia e Biden avisa que Putin “vai sofrer as consequências”

Presidente dos EUA salienta “união e determinação” da NATO num eventual ataque da Rússia contra um dos membros da aliança. “Putin é o agressor, e foi Putin quem escolheu esta guerra”, disse Joe Biden.

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Joe Biden anunciou um novo reforço das tropas norte-americanas nos países da NATO no Leste da Europa Reuters/LEAH MILLIS

Não foi, talvez, um discurso com o vigor característico dos momentos históricos, nem serviu para anunciar um conjunto de sanções tão duras que obriguem a Rússia a recuar na invasão da Ucrânia de um dia para o outro. Ao dirigir-se ao país a partir da Casa Branca, esta quinta-feira, o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, quis dizer à Rússia que a instabilidade dos últimos anos no seio da NATO deu lugar a uma aliança militar “mais unida e determinada do que nunca” — com a garantia de que uma agressão contra um dos seus 30 membros, no Leste da Europa, terá resposta imediata dos outros 29.

O aviso marca uma clara diferença em relação ao posicionamento dos EUA sobre a NATO nos últimos anos, durante a presidência de Donald Trump — e um contraste absoluto com a primeira participação de Trump numa cimeira da Aliança Atlântica, em 2017, quando o então Presidente norte-americano foi o primeiro, desde o fim da Guerra Fria, a não reafirmar o compromisso do país com o Artigo 5º, sobre o compromisso com a defesa colectiva.

Esta quinta-feira, no seu primeiro discurso depois do início da invasão da Ucrânia pelas forças russas, Biden falou para uma opinião pública ainda marcada pela retirada violenta e traumática do Afeganistão, há apenas seis meses, tentando prepará-la para um novo cenário de guerra longe do seu território — mas, desta vez, sem o envolvimento de tropas norte-americanas.

Nesse sentido, o Presidente dos EUA voltou a garantir, de forma taxativa, que as forças norte-americanas “não irão envolver-se no conflito” na Ucrânia. As opções que estão em cima da mesa, por parte dos EUA, incluem apenas um progressivo aperto das sanções contra a Rússia, podendo vir a atingir o próprio Presidente russo. Mas uma intervenção militar só será equacionada se Putin ameaçar a soberania de países como a Polónia, Lituânia, Letónia ou Estónia.

“As nossas forças não vão para a Europa combater na Ucrânia, mas vão defender os nossos aliados da NATO”, disse Biden, que anunciou também um reforço de tropas norte-americanas na Alemanha e na Polónia, depois de um reforço semelhante na Estónia, Lituânia, Letónia e Roménia, decidido na terça-feira.

Sanções lentas

O novo pacote de sanções — um reforço de um primeiro conjunto de medidas revelado na terça-feira, antes do início da invasão russa — acabou por passar para segundo plano, perdido no meio das perguntas dos jornalistas sobre os motivos que levaram a Casa Branca a deixar de fora, mais uma vez, duas armas de peso: o corte do acesso da Rússia ao sistema SWIFT, que os bancos usam para fazer transacções financeiras seguras no estrangeiro; e a aplicação de sanções a Vladimir Putin.

Esta semana, o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, pediu aos EUA e à União Europeia que cortem o acesso da Rússia ao SWIFT, uma medida que deixaria a economia russa sem uma parte significativa da sua capacidade para enviar e receber dinheiro — incluindo os ganhos da exportação de petróleo e gás, que representam mais de 40% das receitas anuais do país.

A proposta é vista como uma das únicas com capacidade para infligir problemas imediatos à economia russa — mas também a investidores nos EUA e na Europa —, e foi possível pô-la em prática contra o Irão. Mas, em 2014, aquando da invasão da península ucraniana da Crimeia, Putin avisou que banir a Rússia do SWIFT seria o equivalente a uma declaração de guerra, e a ideia foi sendo adiada até adquirir um estatuto quase mítico no mundo das sanções internacionais.

“É sempre uma opção”, disse Biden, esta quinta-feira, sobre a hipótese de a Rússia ser afastada do sistema internacional de transacções. “Mas essa não é uma opção que o resto da Europa esteja disposto a tomar.”

Foi notória a exasperação do Presidente dos EUA com as perguntas sobre a eficácia das sanções. A certa altura, Biden afirmou que as sanções — quaisquer que elas sejam — “não vão impedir seja o que for no imediato, levam tempo”.

"Ele [Putin] não vai dizer ‘meu Deus, vêm aí sanções, vou recuar”, disse Biden.

Assim, as sanções anunciadas esta quinta-feira incluem bloqueios à exportação de tecnologia dos EUA para a Rússia, o que afectará os sectores do desenvolvimento militar e aeroespacial. Além disso, Biden anunciou novas sanções contra bancos russos e “bilionários corruptos” com ligações ao Kremlin. Fora da Rússia, as novas sanções afectam também o ministro da Defesa da Bielorrússia, pelo seu envolvimento no ataque russo contra a Ucrânia.

Divisões internas

O discurso do Presidente dos EUA ficou também marcado por cautelas na transmissão dos objectivos da Casa Branca ao povo norte-americano, menos absorvido pela guerra na Ucrânia do que os povos europeus, e mais dividido do que nunca na sua História moderna.

Em particular, Biden disse que a sua Administração está a tomar medidas “para proteger as famílias americanas” das consequências das sanções que estão a ser aprovadas contra a Rússia, principalmente a subida dos preços dos combustíveis. E avisou as empresas norte-americanas de que “não devem explorar este momento para lucrar”.

“É duro, e eu sei que os americanos já estão a sofrer. Mas esta agressão não podia ficar sem resposta. Se ficasse, seria pior para a América. E a América é assim: nós fazemos frente aos bullies.”

As divisões nos EUA sobre a invasão russa são mais visíveis no Partido Republicano, onde a ascensão de Donald Trump na política do país, desde 2016, acordou uma forte corrente anti-globalização e contrária a intervenções militares. Mas também existem no Partido Democrata, que tem hoje uma forte ala progressista profundamente avessa ao envolvimento em conflitos armados.

Esta quinta-feira, o senador norte-americano Mitt Romney, um antigo candidato à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano, responsabilizou a política externa de Barack Obama e de Donald Trump pela “impunidade” com que a Rússia voltou a invadir a Ucrânia.

“A impunidade de Putin é uma consequência previsível das nossas respostas tépidas a anteriores crimes na Geórgia e na Crimeia, dos nossos esforços ingénuos com vista a um ‘reset’ unilateral, e das vistas curtas do ‘America First’”, disse o senador do estado do Utah.

Romney, de 74 anos, foi o adversário republicano de Barack Obama na corrida à Casa Branca em 2012, numa altura em que o Partido Democrata tinha as atenções focadas no combate à rede terrorista Al Qaeda e numa política de “reset” (redefinição) com vista à melhoria das relações entre os EUA e a Rússia.

Num dos debates para as presidenciais de 2012, a insistência de Romney em posicionar a Rússia como “a principal ameaça geoestratégica aos EUA” foi contrariada por Obama com uma piada, que pretendia retratar o adversário como um candidato a Presidente desligado do seu tempo: “Os anos 80 telefonaram e pediram de volta a sua política externa, porque a Guerra Fria acabou há 20 anos”, disse Obama.

Esta quinta-feira, no comunicado de condenação ao ataque da Rússia, Romney não se esqueceu de fazer uma referência ao comentário jocoso de Obama: “Os anos 80 telefonaram, mas nós não atendemos.”

Trump elogia Putin

As declarações de Romney, de forte condenação do Presidente russo, contrastam com posições menos assertivas — e, em alguns casos, de apoio ao Kremlin — por parte de novos candidatos republicanos e de figuras do círculo de Donald Trump.

Na terça-feira, numa entrevista na sua mansão de Mar-a-Lago, na Florida, Trump disse que as movimentações de Putin nas últimas semanas são “geniais”.

“Putin declara uma grande parte da Ucrânia — da Ucrânia — como independente”, disse Trump na entrevista ao programa de rádio The Clay Travis and Buck Sexton Show. “É maravilhoso, ele usou a palavra ‘independente’ e disse que ‘vamos entrar lá e ajudar a manter a paz’. Temos de admitir que é muito habilidoso”, disse o ex-Presidente dos EUA.

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