Invasão da Ucrânia pela Rússia divide velho e novo Partido Republicano

Enquanto o senador republicano Mitt Romney diz que os EUA não podem voltar a fechar os olhos “à tirania de Putin”, o ex-Presidente Donald Trump classifica as manobras da Rússia, nos dias que antecederam a invasão, como “geniais”.

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Donald Trump e Mitt Romney, em 2016 Reuters/MIKE SEGAR

O senador norte-americano Mitt Romney, um antigo candidato à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano, responsabilizou a política externa de Barack Obama e de Donald Trump pela “impunidade” com que a Rússia voltou a invadir a Ucrânia, na madrugada desta quinta-feira, pela segunda vez nos últimos oito anos. As declarações de Romney, de forte condenação do Presidente russo, Vladimir Putin, contrastam com posições menos assertivas — e, em alguns casos, de apoio ao Kremlin — por parte de novos candidatos republicanos e de figuras do círculo de Donald Trump.

“A invasão da Ucrânia por Putin é a primeira vez, em 80 anos, que uma grande potência decidiu conquistar uma nação soberana”, disse Romney, num comunicado, comparando a invasão da Ucrânia pela Rússia à ocupação da Polónia pela Alemanha nazi durante a II Guerra Mundial.

“A impunidade de Putin é uma consequência previsível das nossas respostas tépidas a anteriores crimes na Geórgia e na Crimeia, dos nossos esforços ingénuos com vista a um ‘reset’ unilateral, e das vistas curtas do ‘America First”, disse o senador do estado do Utah.

“O perigo de voltarmos a fechar os olhos à tirania de Putin não se abate apenas sobre os povos das nações que ele violou; abate-se também sobre a América”, disse ainda o senador republicano. “A História mostra que o apetite de um tirano pelas conquistas não é saciável.”

Romney, de 74 anos, foi o adversário republicano de Barack Obama na corrida à Casa Branca em 2012, numa altura em que o Partido Democrata tinha as atenções focadas no combate à rede terrorista Al-Qaeda e numa política de “reset” (redefinição) com vista à melhoria das relações entre os EUA e a Rússia.

Num dos debates para as presidenciais de 2012, a insistência de Romney em posicionar a Rússia como “a principal ameaça geoestratégica aos EUA” foi contrariada por Obama com uma piada, que pretendia retratar o adversário como um candidato a Presidente desligado do seu tempo: “Os anos 80 telefonaram e pediram de volta a sua política externa, porque a Guerra Fria acabou há 20 anos”, disse Obama.

Esta quinta-feira, no comunicado de condenação ao ataque da Rússia, Romney não se esqueceu de fazer uma referência ao comentário jocoso de Obama: “Os anos 80 telefonaram, mas nós não atendemos.”

McConnell apoia “resposta esmagadora"

Tal como Romney, outras figuras da velha guarda do Partido Republicano — de uma época anterior à ascensão de Trump na política dos EUA, nos últimos seis anos — vieram condenar o ataque da Rússia contra a Ucrânia em termos muito fortes, em linha com a política externa dos conservadores norte-americanos nas décadas da Guerra Fria.

Horas antes do início da invasão russa, o líder republicano no Senado dos EUA, Mitch McConnell, de 80 anos, apelou ao “reforço das defesas da NATO no Leste da Europa, para se deixar claro que uma possível agressão contra um membro da Aliança Atlântica terá uma resposta colectiva esmagadora”.

“Temos de apoiar os bravos ucranianos que combatem para proteger a sua soberania. Os Estados Unidos e todos os amigos da Ucrânia têm de garantir o envio de ajuda, incluindo armamento, para os ucranianos que estão a resistir à agressão russa”, disse McConnell.

Também esta quinta-feira, o Presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou que só a Rússia será responsabilizada “pela morte e destruição” na Ucrânia, e garantiu que Putin “terá de prestar contas perante o mundo”.

Cautelas progressistas

Mas a margem de manobra da Administração Biden para responder de forma rápida e decisiva contra qualquer novo ataque da Rússia, para além das fronteiras da Ucrânia, parece ser hoje menor do que seria, por exemplo, na década de 1980 — não só por causa da ascensão, no Partido Republicano, de uma corrente anti-globalização e contrária a intervenções militares; mas também porque o Partido Democrata tem hoje uma forte ala progressista profundamente avessa ao envolvimento em conflitos armados.

Na rede social Twitter, a congressista democrata Alexandria Ocasio-Cortez afirmou, esta quinta-feira, que a invasão da Ucrânia pela Rússia “é indefensável”, e disse que os EUA “fazem bem” em impor sanções “a Putin e aos seus oligarcas”. Ao mesmo tempo, a congressista fez questão de assinar um documento — ao lado de outras figuras progressistas do Partido Democrata, mas também de fervorosos apoiantes de Trump, como o republicano Matt Gaetz — que recorda o Presidente Biden das suas obrigações constitucionais perante o Congresso dos EUA, se tiver de equacionar uma intervenção armada na Ucrânia.

“Se a situação o obrigar a enviar os nossos valorosos homens e mulheres militares para a Ucrânia, as vidas deles seriam postas em risco se a Rússia decidir invadir”, lê-se no documento, publicado horas antes da invasão. “Por isso, pedimos que as suas decisões se conformem com a Constituição e com as leis do país, e que consulte o Congresso para receber uma autorização antes de qualquer mobilização.”

Manobras “geniais” de Putin

Mas é do círculo de Donald Trump que têm saído algumas das declarações mais contrárias à tradição da política externa do Partido Republicano, a começar pelo próprio ex-Presidente dos EUA.

Na terça-feira, numa entrevista na sua mansão de Mar-a-Lago, na Florida, Trump disse que as movimentações de Putin nas últimas semanas são “geniais” — o que levou o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Ned Price, a dizer que não tinha palavras para descrever as declarações do ex-Presidente dos EUA.

“Putin declara uma grande parte da Ucrânia — da Ucrânia — como independente”, disse Trump na entrevista ao programa de rádio The Clay Travis and Buck Sexton Show. “É maravilhoso, ele usou a palavra ‘independente’ e disse que ‘vamos entrar lá e ajudar a manter a paz’. Temos de admitir que é muito habilidoso.”

No estado do Arizona, o congressista republicano Paul Gosar — eleito em 2010 na onda do movimento Tea Party, e conhecido apoiante de Trump — comparou a situação na fronteira da Ucrânia com a Rússia à imigração para os EUA na fronteira com o México.

“Se calhar, devíamos mudar de nome para Ucrânia e a NATO vinha ajudar-nos a proteger a nossa fronteira”, disse o congressista republicano no Twitter, na semana passada. “Putin põe a Rússia em primeiro lugar e faz muito bem. Biden devia pôr a América em primeiro lugar, em vez de deixar entrar terroristas e pessoas em busca de prestações sociais.”

Outro apoiante de Trump, e candidato a senador pelo estado do Ohio, J.D. Vance — o autor do livro “Lamento por uma América em Ruínas”, que deu origem a um filme com o mesmo título, de 2020 —, também comparou as situações nas fronteiras da Ucrânia e dos EUA, numa entrevista no canal ultraconservador Newsmax, na terça-feira.

“O que está a acontecer na Ucrânia não tem nada que ver com a nossa segurança nacional, e está a distrair os nossos ‘líderes’ idiotas de se concentrarem nas coisas que realmente têm consequências para a nossa segurança nacional, como a protecção da nossa fronteira e o fluxo de Fentanil que está a matar as crianças americanas”, disse Vance.

E, na noite de quarta-feira, pouco antes do início da invasão russa, o antigo principal conselheiro de Trump na Casa Branca, Steve Bannon, sugeriu que os EUA deviam apoiar Putin porque o Presidente russo é “anti-woke” — uma referência ao movimento, identificado com a esquerda progressista, que se declara consciente e alerta para os problemas do racismo e das desigualdades de género como fenómenos estruturais nas sociedades democráticas, principalmente nos EUA e na Europa.

“Putin não é woke, é anti-woke”, disse Bannon no seu podcast, War Room, numa entrevista ao antigo militar norte-americano Eric Prince, fundador da empresa militar privada Blackwater. “Eles não têm bandeiras do Orgulho Gay”, disse Bannon, referindo-se à Rússia.

E um dos pivôs do canal Fox News mais populares entre os apoiantes de Trump, Tucker Carlson, disse, na terça-feira, que os EUA não deviam estar preocupados com um “conflito de fronteira” entre a Rússia e a Ucrânia.

“Se calhar, vocês deviam questionar algumas coisas, já que a situação está a ficar muito séria. Quais são os verdadeiros motivos disto? Porque é que eu odeio tanto o Putin? Ele alguma vez me chamou racista? E já ameaçou despedir-me apenas por eu não concordar com ele?”

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