Montepio alega que troca de dados sobre spreads com concorrentes não foi “ilegal”

Banco beneficiou de clemência no processo do “cartel da banca”, mas, ao mesmo tempo, considera que não fez nada de errado e contrário às regras da concorrência.

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O Montepio contesta a coima de 13 milhões aplicada pela Autoridade da Concorrência Goncalo Dias

O Montepio, um dos 11 bancos que estão a contestar em tribunal as coimas da Autoridade da Concorrência (AdC) pela alegada troca de informação sensível com outros bancos sobre spreads no crédito à habitação, empresas e consumo de 2002 a 2013, não mostra arrependimento em relação ao que aconteceu.

Ao ser ouvido nesta sexta-feira no Tribunal da Concorrência, em Santarém, em representação da caixa económica, o administrador executivo do Montepio, José Carlos Mateus, sustentou que o banco “não praticou nada de ilícito ou ilegal” e defendeu que esta posição nada tem de contraditório com o facto de o próprio banco ter colaborado durante a investigação da Autoridade da Concorrência, que lhe reconheceu uma clemência (condenou o banco, ma reduziu-lhe a coima).

Quando uma empresa apresenta um pedido de clemência, está a denunciar práticas proibidas nas quais a própria empresa esteve envolvida, como acontece em casos de cartel.

O Montepio foi um dos dois bancos que beneficiou desse mecanismo no processo do “cartel da banca”. Em 2012, o Barclays denunciou à Autoridade da Concorrência a alegada prática concertada de troca de informação entre bancos sobre crédito durante mais de dez anos e, em Março de 2013, a AdC fez buscas numa série de bancos para investigar a existência da troca de dados.

Mais tarde, o Montepio acabou por colaborar, entregando informação que confirmava a troca de dados e fez um pedido de clemência para tentar conseguir uma dispensa ou uma redução do valor. Colaborou, mas, ainda assim, a AdC acoimou-o em 26 milhões, reduzindo o valor da contra-ordenação para metade (para 13 milhões) pelo facto de o banco ter cooperado.

Ao todo, a AdC aplicou coimas de 225 milhões ao concluir que, durante mais de dez anos, uma série de bancos comunicavam por e-mail e por telefone de forma regular, facultando, por exemplo, grelhas com as taxas de spread (margem de lucro) que iam aplicar dias depois no crédito à habitação e quadros com os valores dos financiamentos concedidos no mês anterior.

Agora que o julgamento está a caminhar par o fim e o Tribunal da Concorrência está a ouvir os representantes legais das instituições, a juíza, Mariana Gomes Machado, quis saber se o gestor do Montepio considerava compatível a existência de um pedido de clemência com o facto de o banco estar a disputar os factos, na perspectiva em que um pedido de clemência pressupõe em abstracto um sinal de “censurabilidade” sobre a conduta denunciada.

Para o banqueiro, as duas questões são compatíveis. O facto de o Montepio ter aderido ao programa de clemência não significa “um reconhecimento de que fez algo de ilícito ou ilegal”, afirmou.

Momentos antes, o banqueiro tinha dito que “está na matriz de valores” do Montepio colaborar. “Não me surpreende que tenha sido essa a atitude tomada”, disse, referindo que na altura não estava na administração mas que, “se estivesse nos sapatos deles, teria feito a mesma coisa, por uma questão de prevenção de riscos”.

"Apreensão” com as consequências

A entrada no programa de clemência serviu para colocar “a caixa numa atitude de total colaboração – de total disponibilização de prestar documentos”, disse. Naquela altura, as questões suscitadas na investigação da AdC podiam ter “implicação a nível reputacional” para o banco e, por isso, a instituição decidiu dar esse sinal. Mas, ressalvou, isso não quer dizer que o banco tenha tido uma prática irregular.

Sob essa perspectiva, o discurso do gestor aparece alinhado com a posição que foi assumida dias há poucos dias no mesmo tribunal pelo vice-presidente do Santander, Manuel Preto, que rejeitou ter existido uma “ilicitude” no comportamento do banco, embora tenha reconhecido, ao mesmo tempo, que a troca de informação concertada hoje seria impensável.

Perante José Carlos Mateus, administrador da comissão executiva do Montepio desde 2018, o procurador do Ministério Público que acompanha o julgamento, Paulo Vieira, insistiu: quando há uma clemência, uma empresa está a “reconhecer alguma prática anti-normativa, [isto é], contra o direito da concorrência”. Mas, agora, notou, o gestor vem dizer que no banco “não praticaram nada de errado”. O gestor reafirmou que “houve muita apreensão” com as consequências financeiras deste processo e isso levou ao pedido de clemência, sem que a questão fosse vista internamente como a assunção de “algo errado, no sentido de ilícito ou ilegal”.

Em Santarém, o gestor falou sobre a posição financeira do banco, dizendo que a instituição está num caminho de recuperação, mas ainda numa “trajectória frágil, vulnerável”, considerando indirectamente que a coima aplicada ao Montepio foi excessiva.

Na última segunda-feira estava previsto que o presidente não executivo do BPI, Fernando Ulrich, fosse ouvido, mas o banqueiro faltou à audiência, depois de o banco ter apresentado um requerimento na véspera (domingo de manhã, a menos de 24 horas da sessão) para reagendar a sessão.

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