Direitos, sim. Deveres, também

Uma história sobre direitos e deveres que nasceu de brincadeiras entre mãe e filha. Sábado é Dia do Trabalhador, domingo é Dia da Mãe.

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Adam Winger/Unsplash

Para que se perceba imediatamente o tom de Inácia, a Galinha Sindicalista, aqui vai o início da história: “Esta é a história da galinha Inácia/ que punha ovos com pouca eficácia/ na capoeira onde tinha um poleiro/ quantos mais ovos, mais era o dinheiro. // por isso era muita toda a pressão/ que sobre si fazia o patrão/ só que Inácia, galinha poedeira/ não se vergava assim à primeira.”

Pacificamente, Inácia há-de conseguir mobilizar para a defesa dos seus direitos as companheiras e até o galo, que antes consultou uma tia: “‘Devem cumprir-se as obrigações/ mas sem cair em explorações’/ isso explicou a tia ao sobrinho/ que tomou nota num caderninho.

A autora do texto, Dora Santos Rosa, fala ao PÚBLICO sobre o conto: “Sem alinhar pela ‘batuta’ da moral socialmente aceite, a história pretende sobretudo fazer apelo ao sentido ético que cada um pode descobrir em si mesmo. A ideia central é a de que devemos estar conscientes dos nossos direitos, mas também dos nossos deveres. Acredito que é muito útil que se perceba, desde cedo, que direitos e deveres são realidades complementares. E acredito também que isso pode ser entendido sem ‘grandes’ moralismos, mas antes de um modo muito prático, alinhado com o sentido de respeito por nós próprios e – tão importante quanto isso – de respeito pelo outro.”

Diz ainda que tudo começou quando a sua filha estava a aprender a falar, “uma fase do desenvolvimento da criança particularmente interessante, já que temos a oportunidade de ver como vão experimentando os sons e fazendo a descoberta da relação entre as palavras e a sua significação”.

Histórias absurdas em rima

Mãe e filha divertiam-se com as “histórias absurdas” que Dora Santos Rosa inventava, “muitas vezes a pretexto das rotinas do dia-a-dia, mas sempre em rima”. A autora diz gostar de rimas, por “permitirem uma relação muito lúdica com a linguagem”. Este exercício tornou-se constante e compulsivo… “Em casa, já só se falava assim. Farto de me ouvir, um dia o meu marido disse-me: ‘E se escrevesses essas histórias e voltasses a falar normalmente?!’.”

Assim fez, criou a história de uma galinhaque gosta de pôr ovos por amor e age de acordo com os princípios que lhe parecem justos, à margem das pressões externas, sejam elas as de um patrão que só se preocupa com o seu lucro, sejam as das suas companheiras de galinheiro, que aceitam, sem questionamento, todas as regras que lhes são impostas”.

Encontrar o caminho “certo” para ilustrar

Felisbela Fonseca, que assina as ilustrações do livro, bem como a paginação e o design, descreve o seu processo criativo, dizendo logo a priori que criar imagens é sempre um desafio.

“A partir das primeiras leituras de um texto, podem surgir várias ideias diferentes para as ilustrações, depois há todo um trabalho de exploração, uma espécie de tentativa-erro, até se encontrar o caminho ‘certo’. No caso, uma solução gráfica consistente capaz de acompanhar o texto sem o repetir, capaz de criar espaços de reflexão e de emoção, capaz até de inquietar”, diz ao PÚBLICO. E acrescenta: “Não se trata de uma dificuldade, mas é efectivamente um trabalho exigente.” 

Sobre o tipo de registo escolhido, diz: “Corresponde, talvez, a uma certa tendência minimalista. Mas não gosto de rótulos. Foi, entre as várias tentativas e erros experimentados, a que mais me agradou.” Descreve ainda a técnica usada: “Este projecto é completamente digital, criado através de desenho vectorial, ou seja, linhas rectas, pontos e curvas.”

Não infantilizar as crianças

Dora Santos Rosa diz que “um livro deve sempre ser desafiante, seja na forma – neste caso com o recurso à palavra e à ilustração – seja na substância, pelas questões que aborda”. Acrescenta que não simpatiza “com a ideia da infantilização das crianças” e que “todos os temas podem ser abordados, desde que colocados de forma adequada”.

Acredita que “a combinação entre palavras ‘acessíveis’ e outras mais ‘difíceis’, desde que feita de um modo equilibrado, se torna estimulante”. E conclui: “Se um miúdo não percebe o sentido de todas as palavras, essa é uma excelente oportunidade para ir à procura dos significados com o adulto com quem lê a história ou sozinho. E isso faz parte do processo de descoberta.”

Quanto à galinha Inácia: “A quem lhe chamava sindicalista/ ela mandava comer alpista/ ‘para cada direito há um dever/ e tal princípio é bom de entender’.”

O livro integra-se na colecção Histórias Que Queremos Contar aos Nossos Filhos e encontra-se à venda na Livraria Tigre de Papel (Lisboa) e no circuito das livrarias independentes.

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Notícia actualizada dia 5/5/2021, às 20h51: Por reclamação da ilustradora Felisbela Fonseca, o PÚBLICO retirou as ilustrações que acompanhavam este texto, pois aquelas não correspondiam ao trabalho final da autora. As imagens foram facultadas pelo assessor de imprensa da editora e livraria. 

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