O algodão não engana? Após acusações de trabalho forçado, China castiga marcas ocidentais

Várias marcas internacionais, como a sueca H&M ou o grupo Nike, dizem que não voltam a usar algodão daquela zona, depois de alegações de trabalho forçado. O grupo detentor da Zara começou por condenar, mas o comunicado desapareceu do site.

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Consumidores chineses podem boicotar as marcas internacionais, o que terá, economicamente, consequências severas LUSA/ROMAN PILIPEY

Os holofotes internacionais estão virados para Xinjiang, depois de várias marcas de vestuário terem suspendido a utilização do algodão daquela zona da China. Em causa estão acusações de alegado trabalho forçado. Grupos como o sueco H&M ou o norte-americano Nike dizem que não voltam a usar algodão ali produzido. Também o grupo Inditex, dono da Zara, começou por emitir um comunicado a condenar o trabalho forçado, mas decidiu apagá-lo. As retaliações não se fizeram esperar, muitas destas marcas desapareceram das plataformas de compras online chinesas e há celebridades do país que, numa reacção patriótica, anunciaram que vão deixar de usar as roupas e acessórios dessas empresas internacionais. 

A H&M desapareceu de várias plataformas de comércio electrónico na China — como a Didi Chuxing, JD.com, Taobao, Tmall ou Pinduoduo — depois de ter anunciado a suspensão da utilização do algodão de Xinjiang.  A New Balance, a Under Armour, a Tommy Hilfiger e a Converse, propriedade da Nike, bem como a Adidas e a Gap dizem também não voltar a usar algodão da mesma zona. O grupo Inditex — proprietário de marcas como Zara, Stradivarius e Pull & Bear — começou por, na quarta-feira, publicar um comunicado condenando quaisquer políticas de trabalho forçado e negando ter qualquer ligação ao algodão proveniente de Xinjiang. Mas, no dia seguinte, a declaração foi removida sem quaisquer justificações.

Entretanto, o representante chinês da Better Cotton Initiative, uma organização internacional que promove melhores padrões no cultivo e nas práticas de algodão em 21 países, já veio desmentir as acusações, dizendo que não encontrou quaisquer indícios de trabalho forçado em Xinjiang.  Ainda assim, várias organizações humanitárias continuam a acusar a China de promover campos de trabalho forçado para a minoria uigure, com recurso a tortura e a esterilizações, na zona ocidental do país. Pequim tem repetidamente negado as alegações, esclarecendo que os campos em questão se tratam de centros de treino vocacional.

Recorde-se que, em Julho de 2020, mais de 190 organizações de defesa dos direitos humanos, de 35 países, formaram uma coligação a exigir que grandes marcas internacionais cortassem as ligações com os fornecedores ligados ao trabalho forçado de uigures. Estima-se, aliás, que uma em cada cinco peças de roupa que usamos provenha deste tipo de trabalho.

As empresas internacionais vêem-se, então, envolvidas num dilema entre a ética e as vendas. No “Twitter chinês”, Weibo, várias celebridades do país têm boicotado as marcas, num acto patriota, sublinhando que não voltarão a colaborar comercialmente com as mesmas. Em declarações à agência Reuters, vários chineses dizem “evitar comprar estas marcas a partir de agora”. O cantor pop de Hong Kong, Eason Chan, escreveu no Weibo que deixaria, com efeitos imediatos, de colaborar com a Adidas e que era “fortemente contra todas as acções que manchem a reputação da China”.

O Comité Central da Liga Comunista da Juventude chinesa também publicou uma mensagem, na mesma rede social, na qual perguntava: “Querias ganhar dinheiro na China enquanto espalhas boatos para boicotar o algodão de Xinjiang? Querias!” Os milhares de comentários são quase todos de apoio, muitos deles a favor da expulsão das marcas estrangeiras do país.

A região de Xinjiang é o centro da produção chinês de algodão e uma das maiores exportadoras mundiais de têxteis. As empresas internacionais têm tentado demarcar-se das polémicas, assegurando que não utilizam algodão proveniente desta área da China — ou se utilizavam, não o voltarão a fazer. Mas restam duas opções: ou recuam — como fez o grupo Inditex, ao apagar o comunicado — ou firmam a sua posição, como fez a H&M, e aceitam as consequências que podem ser desastrosas economicamente.

A polémica surgiu na mesma semana em que a União Europeia anunciou sanções contra quatro indivíduos e uma instituição chinesa por alegadas violações dos direitos humanos em Xinjiang. O Reino Unido, o Canadá e os Estados Unidos também anunciaram penalizações idênticas. No mesmo dia em que estas medidas foram anunciadas, na passada segunda-feira, a China respondeu com sanções contra dez indivíduos e quatro instituições europeias.

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