O insolúvel problema dos aventais

Todos os políticos que fazem parte da Maçonaria deviam declarar de livre vontade que o avental faz parte da sua indumentária. Mais do que responsável, seria uma atitude decente. Mas, com excepção de um ou outro político, ninguém irá por aí. Os amigos secretos são menos dados a inconveniências.

As suspeitas e as insinuações existem há anos e nos últimos dias deixaram de ser um ruído de fundo para criarem um problema que intoxica o debate público. As irmandades fundadas em princípios de fé ou em credos de natureza filosófica e política, como o Opus Dei ou a Maçonaria são apenas espaços de partilha e de comunhão de ideias, valores e experiências de vida? Ou sob esse pano de fundo construíram uma rede de cumplicidades e de influências que promove o nepotismo e corrói a democracia? Os seus membros jamais se cansarão de apregoar que nada de daninho existe nas suas organizações. Mas, mesmo que esta seja a mais pura das verdades, é indiscutível que uma parte dos cidadãos as olha como templos onde compadres se reúnem para, sob a égide de bons princípios, da discrição ou do secretismo se protegerem e favorecerem mutuamente.

Chegámos por isso a um momento perigoso. E ainda mais perigoso porque não se vislumbram receitas capazes de o superar. Pedir publicidade ao rito secreto é como jogar à cabra-cega sem uma venda nos olhos – não tem graça. Acreditar que, como propõe o PAN, o problema se resolveria com o incentivo a uma declaração voluntária de pertença à Maçonaria é pura inocência. Pensar, como reclama o PSD, que se pode forçar um deputado ou um ministro a declarar contra a sua vontade a que organização pertence é ainda pior. Numa democracia, as ameaças às liberdades individuais são inaceitáveis, mesmo quando feitas em nome de interesses tidos como superiores. A perseguição aos maçons é uma prática das ditaduras.

A iniciativa do PSD podia ainda assim ter o mérito de abrir a discussão, mas acaba por ter o demérito de não a fechar. Com um chumbo garantido na Assembleia da República, seguiu-se de imediato a acusação de que quem recusa a declaração obrigatória de pertença a associações faz o jogo da Maçonaria. A suspeita, larvar e genérica até agora, aterrou na Assembleia da República.

Com a perturbadora suspeita de que a vida política está amarrada a teias de fidelidades cúmplices que fomentam o nepotismo e a desigualdade de oportunidades, só haveria uma solução: todos os políticos que fazem parte da Maçonaria declararem de livre vontade que o avental faz parte da sua indumentária, como propõe o PAN e o líder do Grande Oriente Lusitano. Mais do que responsável, seria uma atitude decente – a democracia que garante a liberdade dispensa o secretismo e as fraternidades sombrias. Mas, com excepção de um ou outro político, ninguém irá por aí. Os amigos secretos são menos dados a inconveniências. É isso que irrita Rui Rio e, de alguma forma, boa parte dos portugueses.

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