Kremlin desvaloriza condenação de Navalny e fala em “histeria” do Ocidente

Mais de dez mil pessoas foram detidas nas últimas semanas. No Ocidente exige-se a libertação do opositor de Putin, fala-se em atropelo ao Estado de direito e consideram-se sanções. Moscovo elogia actuação da polícia.

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Polícia russa detém um dos manifestantes que pedia a libertação de Navalny em Moscovo YURI KOCHETKOV/EPA

O Kremlin desvalorizou a condenação de Alexei Navalny e a detenção de milhares de apoiantes do opositor russo, que vai cumprir dois anos e oito meses de prisão efectiva, considerando as críticas dos Estados Unidos, Reino Unido, França ou Alemanha como “histeria” do Ocidente.

“Em relação aos acontecimentos na Rússia, e não só no que diz respeito a Navalny, a cobertura do Ocidente é selectiva e parcial”, afirmoun esta quarta-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, citado pela agência Tass. “A histeria que ouvimos em relação ao julgamento do caso Navalny ultrapassou todos os limites”, acrescentou.

As declarações de Lavrov surgem depois de vários países ocidentais terem criticado a decisão do tribunal de Moscovo sentenciar Alexei Navalny a três anos e meio de prisão por violação da liberdade condicional de uma sentença anterior. Na prática, o advogado de 44 anos vai cumprir dois anos e oito meses de prisão efectiva, uma vez que já tinha cumprido parte da sentença considerada “arbitrária e injusta” pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Durante o julgamento de terça-feira, Navalny reiterou que só violou as condições da pena suspensa porque esteve na Alemanha durante cinco meses a recuperar de um envenenamento com novichok, cuja autoria atribui ao Kremlin.

Numa declaração no tribunal, Navalny acusou ainda Vladimir Putin de ser responsável pela sua sentença e disse que o Presidente russo será recordado na História como o “o envenenador de cuecas” (o opositor acusa os serviços secretos russos de terem aplicado o novichok na sua roupa interior).

As acusações do advogado, que nos últimos anos se tornou no maior opositor de Putin, foram mais uma vez desvalorizadas pelo Kremlin, com Dmitri Peskov, porta-voz do Presidente russo, a afirmar que a condenação de não terá “qualquer efeito significativo” na vida política da Rússia, que tem eleições legislativas marcadas para Setembro.

Mais de dez mil detidos

Mas, se o Kremlin tenta ao máximo desvalorizar o papel de Navalny no país, não consegue ignorar a vaga de contestação nas ruas das cidades russas, particularmente em Moscovo, que nas últimas semanas já levaram à detenção de mais de dez mil pessoas.

Após o tribunal de Moscovo declarar o seu veredicto, milhares de apoiantes do opositor russo, que já tinham iniciado protestos enquanto decorria o julgamento, marcharam nas ruas de Moscovo e verificaram-se momentos de grande violência com as autoridades a avançarem em força sobre os manifestantes.

Nas redes sociais, circularam vídeos da polícia russa a agredir manifestantes (e até jornalistas) com bastões – num dos vídeos, um jornalista é atingido por com um bastão e cai no chão. O Kremlin anunciou uma investigação ao caso.

De acordo com a organização não-governamental OVD-Info, pelo menos 1438 pessoas foram detidas na terça-feira, a maioria delas em Moscovo, apesar de também terem sido feitas detenções noutras cidades russas, nomeadamente em São Petersburgo.

As detenções de tterça-feira juntam-se às cerca de nove mil dos últimos dois fins-de-semana quando foram detidas, nos dias 23 e 31 de Janeiro, mais de 4000 e 5000 pessoas, respectivamente.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, defendeu a actuação da polícia, considerando-a adequada, e acusou os manifestantes de serem “provocadores” que violaram as interdições das autoridades, que proibiram protestos invocando as medidas sanitárias para conter a pandemia de covid-19.

A Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, criticou a detenção de milhares de manifestantes pacíficos, apelando à sua libertação imediata, reiterando que estes apenas estavam a exercer o seu “direito à reunião pacífica e à liberdade de expressão”.

Críticas do Ocidente

A condenação de Navalny – que, escreve o The Guardian, tornou Navalny o mais proeminente prisioneiro político na Rússia desde a prisão do milionário Mikhail Khodorkovski em 2005 -, foi criticada pelo Ocidente, com a União Europeia e os Estados Unidos a exigirem, novamente, a libertação imediata do político.

“Reiteramos o nosso apelo ao Governo russo para que liberte imediata e incondicionalmente Navalny, assim como as centenas de outros cidadãos russos detidos injustamente nas últimas semanas apenas por exercerem os seus direitos, incluindo os direitos à liberdade de expressão e de reunião pacífica”, afirmou o secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, em comunicado.

A chanceler alemã, Angela Merkel, disse que o “veredicto contra Alexei Navalny está muito longe das regras do Estado de direito” e reiterou que “a violência contra manifestantes pacíficos tem de parar”.

Esta quarta-feira, o porta-voz do Governo alemão, Steffen Seibert, não afastou a possibilidade de serem aplicadas novas sanções à Rússia e disse que essa hipótese será discutida com os restantes Estados membro da União Europeia.

Já o Presidente francês, Emmanuel Macron, numa publicação no Twitter em francês e em russo, considerou a condenação de Navalny “inaceitável”. “A discordância política não é crime. Pedimos a sua libertação imediata. O respeito pelos direitos humanos, como a liberdade democrática, não é negociável”, afirmou.

No mesmo sentido, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, disse que ao contrário da decisão “corajosa” tomada por Navalny ao regressar à Rússia no passado mês de Janeiro, a decisão da justiça russa foi “pura cobardia”. “Alexei Navalny deve ser libertado imediatamente”, escreveu Johnson no Twitter.

“A condenação de Alexei Navalny contraria os compromissos internacionais da Rússia sobre o Estado de direito e as liberdades fundamentais”, afirmou Josep Borrell, sublinhando que a decisão do tribunal russo contraria o veredicto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. “Apelo à sua libertação imediata”, acrescentou o chefe da diplomacia europeia, que na quinta-feira inicia uma visita de três dias a Moscovo.

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