Como reabilitar as cidades sem as esvaziar?

A Comissão Europeia encomendou um estudo sobre a “financeirização” da habitação em várias cidades da União Europeia, para perceber melhor este mercado imobiliário que se globaliza e, espera-se, ajudar a definir novas políticas.

Foram muitos os anos passados a lamentar a desertificação e ruína dos nossos centros urbanos, sem que nenhuma política de reabilitação tenha tido resultados substanciais. Ao contrário do que acontecia nas principais cidades europeias, locais centrais como a Praça da Figueira ou a Rua de 31 de Janeiro, no Porto, eram exemplos de abandono. Os centros urbanos de Lisboa e do Porto eram uma espécie de donut, vazio por dentro, mas com uma coroa periférica a crescer desordenada nas margens. Agora passamos da preocupação com o vazio e a ruína dos nossos centros para as preocupantes consequências deste processo imobiliário de reabilitação urbana.

Corremos o grande risco de prolongar esse vazio habitacional nos centros das nossas cidades (agora reabilitados, embora, muitas vezes, com uma preocupação de fachada), por duas simples razões: a recuperação está entregue em grande medida a fundos de investimento que não respondem à procura de habitação, mas sim à pressão da hotelaria e similares; e este processo arrasta para fora do centro quem ainda lá vive. A expulsão de inquilinos como efeito directo do mercado de reabilitação não é uma especificidade do Sul da Europa ou até Europa. Austin, capital do Texas, nos EUA, debate-se há muito com esse processo de “gentrificação”, que motivou a campanha Keep Austin Weird, de preservação da identidade de uma cidade a transfigurar-se devido a uma segmentação social.

Barcelona é outro exemplo. A cidade reforçou os direitos dos inquilinos, prestou-lhes assistência legal, os promotores viram-se obrigados a realojar inquilinos e a respeitar os seus direitos para obter licenças de construção, houve casos em que a câmara adquiriu o prédio em causa, evitando expulsões, estabeleceu-se que 30% dos metros quadrados reabilitados deveriam ser reservados a habitação com rendas protegidas. Barcelona, que definiu regras específicas para o alojamento local, não é a única cidade a proteger-se. Berlim tem investido no património imobiliário público e Amesterdão ­­quer aumentar o acesso à habitação através da regulamentação das novas construções, destinando 40% delas a habitação social, 20% à classe média e 20% ao segmento mais alto.

A Comissão Europeia encomendou um estudo sobre a “financeirização” da habitação em várias cidades da União Europeia, para perceber melhor este mercado imobiliário que se globaliza e, espera-se, ajudar a definir novas políticas. Entre a ruína e a especulação há, certamente, um meio-termo. É possível reabilitar sem esvaziar.

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