Joe Berardo no país das medalhas

Portugal nunca fez um verdadeiro processo de luto/catarse/reflexão desapiedada sobre a perdição moral de uma boa parte da sua elite financeira-política de que Joe Berardo é apenas um exemplo.

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A aparentemente consensual retirada das comendas a Joe Berardo, uma ideia lançada pelo antigo dirigente do PSD José Miguel Júdice e acompanhada por meio mundo – Presidente da República, Presidente da Assembleia da República –, é um daqueles momentos de excitação colectiva cujo valor real é mais ou menos zero.

Por muito bem que Joe Berardo funcione como encarnação do mal, como já escreveu neste lugar David Pontes, o problema não é Berardo. Há um sistema e Berardo serviu-se dele, com a total complacência do poder político.

Se entrarmos numa de retirada de condecorações, a lista é longa, como lembrou na quarta-feira Rui Rio. A Armando Vara foi recentemente retirada a comenda, um processo automático porque foi condenado a prisão efectiva. Zeinal Bava, o imensamente festejado super-gestor que depois fez desaparecer a PT – e não se lembrava de nada numa recente comissão de inquérito – continua, ao que se sabe, comendador. É acusado de vários crimes no processo Marquês.

Portugal nunca fez um verdadeiro processo de luto/catarse/reflexão desapiedada sobre a perdição moral de uma boa parte da sua elite financeira-política de que Joe Berardo é apenas um exemplo. Há várias razões que podem explicar esta dificuldade: foi tudo muito recente; o país é pequeno; e num país pequeno toda a gente (da elite) janta com toda a gente.

Este debate, por razões que todos conhecemos, não foi feito. Há processos judiciais em curso mas existe mais para uma sociedade discutir do que repetir a frase com que António Costa se quis afastar do legado de Sócrates, “à justiça o que é da justiça, à política o que é da política”.

Para quem não fez uma reflexão séria sobre o que aconteceu em Portugal desde o Banco Português de Negócios até à implosão do BES, é catártico ir ali a correr tirar a comendazinha ao ainda comendador Berardo. Não custa, não dói e no momento é popular. Discutir o resto – o sistema que produziu um Berardo – corre o risco de ser traumático para boa parte da classe política. Mas é a única discussão que interessa.

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