Pedro Marques, o homem que quer reforçar a esquerda na Europa

Do Governo para o Parlamento Europeu, Pedro Marques leva consigo um sólido, ainda que discreto, currículo na gestão de fundos estruturais e de trabalho em área de planeamento, coesão e Estado Social.

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Pedro Marques combinou com António Costa na primavera de 2018 que seria cabeça de lista do PS nas europeias Nuno Ferreira Santos

Pela primeira vez, um ministro sai da mesa do Conselho de Ministros directamente para liderar uma lista eleitoral ao Parlamento Europeu. Pedro Marques deixa a pasta do Planeamento e das Infra-estruturas para aceitar o “desafio de defender e lutar por um projecto” em que acredita, garante o próprio ao PÚBLICO. “Depois da crise financeira e da crise dos refugiados, a União Europeia vive numa encruzilhada entre dois caminhos: o europeísta e o nacionalista. Nós, no PS, estamos do lado do europeísta”, afirma Pedro Marques, sublinhando que, “desde o Tratado de Lisboa e a seguir à crise do euro, há muitas coisas que só vão correr bem quando equacionadas a nível central e num contexto europeu”.

Assumindo o projecto europeísta, Pedro Marques considera que pode contribuir para a sua afirmação e mesmo para transformar a esquerda europeia. “Sendo, até agora, membro do Governo, poderei lembrar aos portugueses que pudemos praticar com êxito em Portugal um modelo de governação em que a Europa não acreditava inicialmente”, explica, referindo-se à solução de acordo parlamentar do PS com o BE e o PCP.

Garante mesmo que é possível ampliar esta estratégia de alianças a nível europeu: “Fizemos cá essa inovação e, se o PS sair reforçado das eleições, pode ajudar a que seja feito esse caminho na União Europeia” Um objectivo para o qual reconhece a necessidade de o PS obter um “bom resultado” nas eleições de 26 de Maio. O que se traduz num aumento dos actuais oito eurodeputados, meta já estabelecida pela secretária-geral adjunta do partido, Ana Catarina Mendes, em entrevista ao PÚBLICO.

À procura da Casa Benfiquista

Preparando-se para mudar de vida e de cidade, Pedro Marques não deverá abdicar do seu interesse pelo desporto. É praticante de ténis e “doente” pelo Benfica. Tem mesmo o projecto de se inscrever na Casa Benfiquista de Bruxelas e pretende continuar a ver o seu clube nos estádios, nunca em lugar VIP, como tem feito até agora. O que Pedro Marques não deverá levar consigo é a sua pequena garrafeira de Vinho do Porto da qual se orgulha e assunto em que se considera especialista.

A sua mulher, Cecília, uma antiga colega do Instituto Superior de Economia e Gestão, e os três filhos, uma rapariga de nove anos e um casal de gémeos com 4 anos, irão consigo para Bruxelas. Uma mudança de vida combinada entre Pedro Marques e o primeiro-ministro e líder do PS, António Costa, há mais de seis meses, mais concretamente na Primavera de 2018.

Ainda que conste nos bastidores da política que Pedro Marques conseguiu o lugar de cabeça de lista porque ameaçou Costa que sairia do Governo para ir trabalhar numa empresa do sector privado, a versão oficial é que esta escolha se baseia no desejo de Costa de renovar etariamente os quadros socialistas com proeminência pública. E simultaneamente aproveitar as europeias para testar a popularidade do Governo, uma vez que este surge em alta nos estudos de opinião, contrariando o padrão usual nestas eleições. Normalmente, é nas europeias que há mais erosão eleitoral dos partidos que governam. Não só pelo desgaste que dá o exercício do poder executivo, mas também porque são as eleições em que a abstenção mais corrói os resultados dos grandes partidos.

Gerir fundos

A tarefa que agora se propõe, a de defender o projecto europeu de uma perspectiva europeísta, em Bruxelas, surge em coerência com o que tem sido o seu percurso político e profissional. Os temas europeus fazem parte da sua vida desde novo. Em 1997, com 21 anos e o curso de Economia terminado, Pedro Marques é convidado por um professor seu no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) — onde foi colega de Ricardo Mourinho Félix — para trabalhar no Plano Nacional de Realojamento, então lançado pelo primeiro-ministro, António Guterres, que se propunha acabar com os bairros da lata. A tarefa específica desempenhada então, durante dois anos, por Pedro Marques foi gerir as verbas comunitárias destinadas à construção e melhoramento de ruas, saneamento, parques infantis e outras infra-estruturas nos novos bairros, na Estrutura de Apoio Técnico da Intervenção Operacional Renovação Urbana, do II QCA.

Tendo estado sempre de um outro modo ligado às questões do planeamento, no domínio do desenvolvimento e coesão territorial e da defesa do Estado Social, e da gestão de verbas comunitárias, coube-lhe nos últimos três anos dirigir no Governo a aplicação dos fundos estruturais daquele que é o IV QCA, o Portugal 2020, e a preparação e negociação em Bruxelas do que será o V QCA, o Portugal 2030.

O começo de tudo

Pedro Manuel Dias de Jesus Marques nasceu a 1 de Agosto de 1976, na freguesia de Afonso Soeiro, no Montijo. Estudou sempre no ensino público. Fez a primária na Escola Básica nº 4 do Montijo, o segundo ciclo na Escola D. Pedro Varela, o 7º ano na Escola Secundária nº 1 do Montijo e, do 8º ao 12º ano, frequentou a Escola Secundária Poeta Joaquim Serra, na sua freguesia, a escassos 150 metros da casa onde os pais ainda hoje vivem. A mãe trabalha na junta de freguesia e o pai, hoje reformado, foi piloto de helicópteros da Força Aérea, dedicando-se depois ao transporte de doentes e à formação de pilotos como instrutor de voo.

Foi pela mão do pai e na política de proximidade, aliás, que Pedro Marques fez o seu baptismo cívico e político. O pai empenhou-se em que a rua onde moravam fosse asfaltada e participou em várias reuniões da Câmara do Montijo para garantir que a obra fosse executada. Um dia, o pai não pôde estar presente e Pedro Marques substituiu-o. Foi o início da intervenção política, que o levaria a vereador do PS na Câmara do Montijo, em 2002, com os pelouros da Acção Social e Saúde, Habitação Social, Juventude, Planeamento e Desenvolvimento Económico.

Um pouco antes da entrada na autarquia começou a colaborar com o governo de António Guterres. Mais concretamente como assessor do ministro do Trabalho e Solidariedade, Eduardo Ferro Rodrigues, nas questões do envelhecimento da população e da sustentabilidade das finanças públicas. Entra no ministério pela mão do secretário de Estado da Segurança Social, José António Vieira da Silva, que o conheceu nas reuniões do PS na sede nacional do Largo do Rato, em Lisboa, nas reuniões de preparação de programas eleitorais.

Reforma que perdura

Sendo o mais velho de quatro irmãos — ele e três raparigas —, Pedro Marques sempre foi precoce. Aos 29 anos era secretário de Estado e aos 39 anos ministro. Quando José Sócrates forma governo em 2005, o ministro da Segurança Social, Vieira da Silva, escolhe-o para a sua equipa, indicando-o para secretário de Estado da Segurança Social ao lado de Fernando Medina, que ocupou a secretária de Estado do Emprego e da Formação Profissional. No governo até 2011, os dois iniciam então uma cumplicidade política que ainda hoje os une.

Enquanto Fernando Medina fica para a história como o responsável directo das reformas laborais então feitas, Pedro Marques está ligado à reforma da Segurança Social de 2007. Elogiada pela União Europeia e pela OCDE, esta reforma tem garantido a sustentabilidade da Segurança Social, fazendo depender a pensão da esperança média de vida e criando os mecanismos automáticos de pagamento. Alterações que ainda hoje perduram e que têm sido aplaudidas até por personalidades da direita. O consenso em torno desta reforma ficou espelhado no facto de o então líder parlamentar do PCP, Octávio Teixeira, ter conseguido que os comunistas se abstivessem na votação final que a aprovou.

Como secretário de Estado, Pedro Marques deixou o seu nome ligado a uma outra medida importante, o Programa Pares, que impediu a duplicação de equipamentos sociais no mesmo concelho.

Com a queda do segundo governo de Sócrates, em 2011, Pedro Marques regressa ao Parlamento, para o qual já fora eleito em 2009, sempre pelo círculo eleitoral de Portalegre. No seu regresso a São Bento foi vice-presidente do grupo parlamentar. Distante do então líder do PS, António José Seguro, e sem ter apoiado ninguém no confronto eleitoral interno deste com Francisco Assis, Pedro Marques acaba por abandonar o mandato de deputado e regressar à actividade privada, em 2014, justificando a decisão com o argumento de que novos filhos lhe impunham obrigações financeiras.

É então responsável pela direcção comercial, sistemas de informação, consultoria em planeamento e financiamento do desenvolvimento territorial da Capgemini Portugal, neste regresso ao sector privado no qual já trabalhara entre 1999 e 2001, na CISED Consultores, altura em que defendeu mestrado em Economia Internacional.

Meses depois, regressa à militância activa envolvendo-se na conquista da liderança do PS por António Costa e sendo, a seguir, um dos coordenadores da elaboração da Agenda para a Década, que serviu de base ao programa do actual Governo, que integra até segunda-feira.

Quem está no apeadeiro

De perfil discreto, é considerado, por quem com ele trabalhou, como “muitíssimo competente”, um “trabalhador incansável” e “muito preparado para os dossiers europeus e nacionais”. Tem gerido a pasta do Planeamento e das Infra-estruturas em época de vacas magras e de baixo investimento do Estado e sofrido o desgaste das falhas nos transportes públicos, como é o caso dos comboios.

Um problema que certamente lhe irá aparecer à frente na campanha eleitoral, em que é dos poucos estreantes e tem como principal adversário o mediático Paulo Rangel. Tal parece não preocupar a direcção do PS. Há mesmo quem tenha afirmado ao PÚBLICO: “O Pedro é muito combativo e não é garantido que Rangel seja mais conhecido. Se Rangel passear numa rua de Lisboa, quem o conhece?”

Aos 43 anos, Pedro Marques terá agora de provar que aguenta uma campanha e cumpre os objectivos do partido. Do sucesso desta batalha que tem pela frente dependerá a sua capacidade de se manter na pole position para líder do partido, já que é visto, dentro do PS, como um putativo candidato a secretário-geral. Até porque, como disse um dirigente do PS ao PÚBLICO, o futuro da liderança do partido pós-Costa é uma página em branco: “Só entra no comboio quem está nos apeadeiros quando ele pára.”

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