Europa, um lugar distante

Perceber a Europa dá trabalho aos políticos, aos jornalistas e, claro está, aos cidadãos. É mais fácil falar nas tricas da política doméstica

Depois de uma longa dissertação sobre as façanhas que reclama para a sua governação, o primeiro-ministro dedicou-se este sábado a abordar as ameaças que pairam sobre a Europa e sobre a ligação umbilical entre o destino do país e o sucesso ou insucesso da União. Um pouco mais a sul, na Feira, Rui Rio não falava numa convenção sobre a Europa, mas lá teve de dizer duas ou três ideias sobre o europeísmo do PSD ou sobre o papel que Portugal tem na EU e a EU em Portugal. Por sua vez, o anunciado cabeça de lista do PS, Pedro Marques, dedicou-se a replicar os ataques iniciados por Paulo Rangel e deixou que o essencial da sua mensagem de estreia se ficasse por um paupérrimo soundbite contra a Europa da troika e a favor da Europa social. A campanha para as europeias começa assim.

Portugal não é original ao transformar os assuntos europeus em matérias de política externa em vez de os tratar como seus. A Europa conta quando se fala de fundos estruturais ou se ridiculariza a normalização do comprimento da couve ou a espessura da courgette. Este sábado, António Costa deixou no ar pistas mais do que suficientes para se discutirem as formas de combater as ameaças que minam “por dentro” a União, como os populismos, a xenofobia e os ataques ao Estado de direito, as que a pressionam do exterior, desde o regresso das tensões da Guerra Fria ou as alterações climáticas, ou a necessidade de a União ser mais célere e ambiciosa a fazer as reformas de que carece. Parece ter falado em circuito fechado. Perceber a Europa dá trabalho aos políticos, aos jornalistas e, claro está, aos cidadãos. É mais fácil falar nas tricas da política doméstica.

Com os partidos mais à esquerda a oscilarem entre a crença piedosa numa Europa que se muda por frases musculadas, com o CDS hesitante entre a velha Pátria e os cheques de Bruxelas, o debate europeu de que Portugal carece ou será feito pelo PSD e pelo PS ou não será. Pelo que vimos nos últimos dias, é isso que vai acontecer. As europeias arriscam-se a ser um mero prelúdio das legislativas. Com dois ministros nas listas, o PS deu o flanco para se transformar a campanha num debate sobre as greves dos enfermeiros ou a falta de dinheiro na Saúde. A Europa avança para territórios desconhecidos que a curto prazo podem transformar estas questões em assuntos de segundo plano, mas poucos querem saber. Trinta anos depois, a Europa é ainda um lugar distante.

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