Maduro resiste, EUA reforçam apoio a Guaidó e a crise persiste na Venezuela

Presidente do Parlamento Europeu reforçou apoio a Juan Guaidó, que falou ao telefone com Donald Trump. Nicolás Maduro disse admitir "dialogar" com a oposição, mas rejeita sair do poder.

Fotogaleria
Guaidó participou na manifestação junto a um hospital,Guaidó participou na manifestação junto a um hospital Carlos Garcia Rawlins/REUTERS,Carlos Garcia Rawlins/REUTERS
Fotogaleria
Manifestação contra Maduro em Caracas Carlos Barria/REUTERS
Fotogaleria
Maduro e o ministro da Defesa em Maracay, nos preparativos para um exercício militar Palácio Miraflores/REUTERS

A pressão sobre o Governo de Nicolás Maduro aumentou esta quarta-feira com mais um protesto nas ruas, convocado pela oposição, e com declarações fortes dos líderes do Parlamento Europeu e da Organização dos Estados Americanos contra a "ditadura" e a "opressão" na Venezuela. A tudo isto, Maduro respondeu que não admite ceder e convocar eleições presidenciais, no mesmo dia em que Donald Trump falou ao telefone com o líder da oposição, Juan Guaidó.

Esta quarta-feira, grupos de cidadãos venezuelanos interromperam o que estavam a fazer às 12h (16h em Portugal continental), para durante duas horas responderem ao apelo lançado pela oposição: pedir a saída de Maduro e dizer aos militares que há uma amnistia à espera se eles contribuírem para isso.

Muitos pedem a entrada de ajuda humanitária no país, algo que Guaidó diz ser uma prioridade. E, para o demonstrar, pediu ao Brasil para enviar ajuda. Em resposta, o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, confirmou o pedido e garantiu que terá resposta positiva, noticiou a agência EFE.

Para sábado está marcada uma grande manifestação – na Venezuela "mas também em todo o mundo", segundo Guaidó – que assinala o último dia do ultimato feito a Maduro por seis países da União Europeia, incluindo Portugal. Se não forem convocadas eleições presidenciais até lá, toda a União Europeia poderá vir a reconhecer Juan Guaidó como único líder da Venezuela.

Guaidó foi proclamado Presidente interino na semana passada, pela maioria da oposição na Assembleia Nacional, e desde então já foi reconhecido como tal por vários países, entre os quais EUA, Canadá, Reino Unido, Austrália e a maioria dos países da América Latina. Guaidó está a nomear representantes diplomáticos no continente americano, nos países que reconheceram a sua legitimidade.

Maduro, por seu lado, tem alguns apoiantes de peso: Rússia, China, Cuba, Turquia e México.

Pressão do Parlamento Europeu

Também esta quarta-feira, o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, reafirmou que a maioria dos eurodeputados está ao lado de Guaidó e fez pressão para que a União Europeia siga o mesmo caminho nos próximos dias: "Maduro oprime os venezuelanos. A União Europeia deve estar ao lado do povo da Venezuela. Em face de acontecimentos históricos em que a democracia está em jogo, é claro que temos de estar do lado da liberdade e dos direitos humanos, e não da opressão", disse Tajani.

Quase ao mesmo tempo, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, Luis Almagro, dizia algo semelhante: "Ou estamos do lado da democracia, ou estamos do lado da ditadura. Temos de nos comprometer a recuperar a liberdade na Venezuela."

E John Bolton, o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, lançou um aviso no Twitter aos "banqueiros, negociantes e facilitadores". A mensagem é simples: "Não negoceiem em ouro, petróleo ou outros recursos naturais roubados do povo venezuelano pela máfia de Maduro."

Dialogar, e não negociar

O protesto convocado por Guaidó para esta quarta-feira coincidiu com a primeira entrevista de Maduro a um meio de comunicação estrangeiro desde a semana passada. À agência russa RIA, Maduro reafirmou que não aceitará a convocação de novas eleições presidenciais, mas deixou a porta aberta para antecipar as legislativas.

"Na Venezuela houve eleições presidenciais, houve um resultado, e se o imperialismo quer novas eleições, que espere por 2025", disse Maduro. "Posso concordar que as eleições para a Assembleia Nacional sejam antecipadas, através de um decreto da Assembleia Nacional Constituinte, e que isso sirva de válvula de escape para a tensão que o golpe de Estado imperialista abriu na Venezuela."

Maduro convocou uma Assembleia Nacional Constituinte em 2017, com a tarefa de redigir uma nova Constituição. Mas este novo órgão acabou por ficar também com a tarefa de discutir e aprovar as leis comuns, esvaziando das suas competências a Assembleia Nacional, que nas eleições legislativas de 2015 passou a ter uma maioria da oposição.

A entrevista à agência russa causou furor em todo o mundo porque, segundo a tradução em inglês, Maduro estaria disposto a "negociar" com a oposição – o que seria uma grande mudança na sua posição.

Mas o correspondente do Wall Street Journal em Moscovo, Anatoli Kurmanaev, pôs água na fervura: "A língua russa não tem uma palavra para 'dialogar', pelo que a tradução da palavra original foi transformada em 'negociar'. As traduções são boas, mas as particularidades das línguas criaram uma tempestade num copo de água", disse o jornalista no Twitter.

Ainda assim, o Presidente norte-americano não perdeu tempo a recolher os louros pela vaga vontade de Maduro para dialogar: "Maduro está disposto a negociar com a oposição na Venezuela na sequência das sanções dos EUA e do bloqueio das receitas do petróleo", disse Trump no Twitter.

Na entrevista à agência russa, Maduro acusou os EUA e a Colômbia de o tentarem assassinar, sem avançar pormenores: "Sem dúvida que Donald Trump deu ordens para me matar, e disse ao Governo da Colômbia, à máfia da Colômbia, para me matar. Se me acontecer alguma coisa, Donald Trump e o Presidente Ivan Duque serão os responsáveis", disse Maduro.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, instou a oposição venezuelana a "recusar ultimatos e a trabalhar em conjunto de forma independente, guiada apenas pelos interesses do povo venezuelano", numa referência indirecta à acusação russa de que a oposição está ao serviço dos EUA.

Militares reforçam apoio

Horas antes de os apoiantes de Guaidó terem saído à rua, Maduro surgiu ao lado do Exército venezuelano e passou pelo Congresso de Movimentos Cristãos pela Paz, em Caracas.

Em Maracay, a uns 100 km da capital, presidiu ao início dos preparativos para um exercício militar marcado para Fevereiro, ao lado do seu ministro da Defesa, o general Vladimir Padriño López.

"As Forças Armadas causam admiração e orgulho a todos os venezuelanos. Máximo moral e compromisso, máxima lealdade, máxima preparação e manutenção, máxima união cívico-militar é a chave das nossas vitórias", disse Maduro, num discurso que serviu para sublinhar o apoio que recebeu na semana passada das lideranças militares do país.

Ao seu lado, o general Padriño condenou "o golpismo, a oligarquia e o imperialismo". "É esse o nosso juramento. Com o nosso comandante aqui perante nós, de joelhos no chão. Viva a revolução bolivariana!", disse o ministro da Defesa.

Num sinal de que o topo da hierarquia militar permanece fiel a Maduro, o chefe do Exército, Jesús Suárez Chourio, falou também contra os "traidores" – referindo-se aos militares e outros representantes venezuelanos nos EUA que declaram apoio a Juan Guaidó nos últimos dias.

"Quero que o mundo ouça que não fomos tocados pelo vírus da traição, da debilidade e da cobardia! Que o nosso comandante-em-chefe saiba que só corre nas nossas veias o sangue dos libertários. Dizemos à Venezuela e ao mundo que na pátria de Bolívar e Chávez manda o povo, e que defenderemos a pátria até com a nossa própria vida", disse Chourio.

Ainda durante a manhã, Maduro passou por uma reunião organizada pelo movimento evangélico venezuelano, onde se declarou "um Presidente verdadeiramente cristão" e pediu aos participantes que rezem por ele e "pelo futuro da Venezuela".

Sugerir correcção
Ler 51 comentários