Se o Estado fosse uma empresa, tinha capitais próprios negativos

Em vésperas de mais um Orçamento do Estado, cálculos do Fundo Monetário Internacional apontam para que os passivos do sector públicos português sejam superiores ao valor total dos activos.

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Um Estado não é uma empresa, o seu objectivo não é o lucro, mas sim providenciar da forma mais eficaz possível bens e serviços públicos à população. Ainda assim, numa iniciativa inovadora destinada a oferecer “um panorama mais largo da situação orçamental para além dos défices e da dívida”, o Fundo Monetário Internacional (FMI) decidiu calcular, como se faz com a contabilidade de qualquer empresa, o balanço dos sectores públicos de 31 países para os quais existem dados disponíveis. E no caso de Portugal, usando dados de 2012, chegou à conclusão que os activos que o Estado tem são largamente superados pelos passivos, colocando o património líquido em terreno negativo.

No Relatório “Fiscal Monitor” publicado esta quarta-feira, o FMI explica a metodologia utilizada para calcular os balanços do sector público de cada país. Do lado dos activos, aquilo que os Estados têm, coloca o valor das empresas, do património e dos recursos naturais controlados por todo o sector público, para além dos activos financeiros acumulados, seja pelo Estado, seja por exemplo pelo banco central.

Do lado dos passivos, são incluídos, para além da dívida financeira que é habitualmente usada nas estatísticas das finanças públicas, as dívidas das empresas públicas e os compromissos já assumidos com pensões dos funcionários públicos.

Entre os 31 países analisados (provenientes de todos os continentes e com diversos níveis de rendimento), onze apresentam passivos maiores do que os activos, incluindo algumas das maiores potências mundiais como os Estados Unidos, a Alemanha, a França ou o Reino Unido. Portugal está também nesse grupo em que o património líquido do sector público é negativo e é mesmo o que regista a maior diferença entre passivos e activos. No entanto, deve-se salientar que o ano de análise de Portugal é 2012, um ano em que o PIB português caiu muito e os activos do Estado também perderam parte do seu valor. Para além disso, não fazem parte desta análise outros países com uma dívida pública elevada como a Grécia ou a Itália, por exemplo.

No caso de Portugal, o elevado montante da dívida pública do Estado, que em 2018 ainda deve ficar acima dos 120% do PIB é precisamente uma das grandes componentes dos passivos. No entanto, nesta análise, juntam-se igualmente as dívidas acumuladas pelas empresas públicas e os compromissos assumidos pelo Estado com o pagamento de pensões aos funcionários públicos, colocando os passivos totais do país num valor próximo dos 350% do PIB.

Do lado dos activos, são os financeiros que mais contribuem no caso português, devendo o Banco de Portugal desempenhar neste caso um papel muito importante. Juntando a isto os activos não financeiros, que incluem o património detido pelo sector público, o FMI estima em cerca de 250% do PIB o valor dos activos totais no caso português.

Perto de Portugal, com os patrimónios líquidos mais negativos, aparecem o Reino Unido, a Gâmbia e a França. No pólo oposto, com patrimónios líquidos positivos, destacam-se os sectores públicos da Noruega e da Rússia, que aproveitam as grandes riquezas naturais de que os seus Estados podem beneficiar.

A utilização destes indicadores na análise das finanças públicas de um país, defende o relatório, “aumenta a transparência e a responsabilização ao examinar a totalidade daquilo que o Estado detém e daquilo que o Estado deve, a sua evolução no tempo, como é que está a ser gerido e onde é que estão os riscos”. Por isso, o FMI lamenta que “a maior parte dos governos não providenciem aos seus cidadãos este tipo de transparência, deste modo evitando o escrutínio adicional que isso traria”.

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