Uma comissão de inquérito séria à EDP? Boa piada

Não acredito por um momento que se chegue a qualquer conclusão relevante, pela simples razão de que, a par da Galp, a EDP é a última grande empresa do regime, e o regime não tem a menor vocação para promover o seu próprio enterro.

O Governo é o lugar onde há mais ministros. O Conselho Geral e de Supervisão da EDP é o lugar onde há mais ex-ministros. Apontem: Luís Amado (ministro da Defesa e ministro dos Negócios Estrangeiros de José Sócrates), Eduardo Catroga (ministro das Finanças de Cavaco Silva), Celeste Cardona (ministra da Justiça de Durão Barroso e Paulo Portas), Jorge Braga de Macedo (ministro das Finanças de Cavaco Silva), Vasco Rocha Vieira (nomeado por Cavaco Silva ministro da República nos Açores e último governador de Macau), Augusto Mateus (ministro da Economia de António Guterres) e António Vitorino (ministro da Presidência e ministro da Defesa de António Guterres). Um terço dos 21 membros do Conselho Geral e de Supervisão da EDP são antigos ministros. Porque será?

Álvaro Santos Pereira, ministro da Economia de Pedro Passos Coelho, tem algumas ideias sobre esse assunto. Graças à enorme vantagem de ter chegado a ministro vindo do estrangeiro, e de ter partido para o estrangeiro após ser ministro, Santos Pereira declarou há um ano a este jornal que “o lobby da energia é um dos mais fortes que temos em Portugal”, que as suas rendas “foram protegidas durante demasiado tempo” e que a sua “ligação ao poder político” teve “uma influência nefasta no nosso país”. Isto diz um ex-ministro que teve a EDP sob a sua tutela, e que viu o seu secretário de Estado da Energia – Henrique Gomes – ser corrido do governo nove meses após tomar posse, por excesso de entusiasmo na tentativa de renegociar as rendas da EDP.

A EDP é daquelas empresas que quando a direita está no governo arranja um chairman de direita (Eduardo Catroga, 2012), e quando a esquerda está no governo arranja um chairman de esquerda (Luís Amado, 2018). Com a vantagem acrescida de nem um ser muito de direita, nem outro ser muito de esquerda – no meio está a virtude, e ao centro se fazem os grandes negócios em Portugal. Desta forma pragmática, a alternância democrática não chega a causar engulhos a uma empresa que consegue dar emprego tanto a ex-ministros de governos PSD, como a ex-ministros de governos PS.

O próprio Henrique Gomes explicou que EDP, EDP Renováveis, Galp e REN, “representam, em conjunto, 42 a 43% de todo o PSI20”, e que um poder destes concentrado nas mãos de tão poucas empresas lhes confere uma esmagadora capacidade de pressão sobre os agentes políticos. Infelizmente, nada disto mudou até hoje, e daí que a minha esperança na eficácia de uma comissão de inquérito sobre a EDP seja nula – os partidos não mordem a mão que os alimenta.  

Jamais, em tempo algum, os 230 deputados que circulam pela Assembleia da República serão capazes de montar uma verdadeira comissão de inquérito, disposta a analisar, com o máximo rigor, os usos e abusos da empresa ao longo dos últimos quinze anos, e aqueles mágicos contratos onde um favor público de meio ponto percentual se traduz num ganho privado de dezenas de milhões de euros. Essa seriedade e empenho não vão acontecer, tal como não aconteceram na comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos. Admito que a comissão vá para a frente. Admito que se monte um simulacro de investigação. Admito que o PS diga que a culpa é do PSD e que o PSD diga que a culpa é do PS. Mas não acredito por um momento que se chegue a qualquer conclusão relevante, pela simples razão de que, a par da Galp, a EDP é a última grande empresa do regime, e o regime não tem a menor vocação para promover o seu próprio enterro.

 

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