Precários: PS trava propostas das esquerdas

PS espera que “até ao final do ano” sejam encontradas, com os parceiros sociais, as “melhores soluções” para problemas de precariedade. Direita acusa BE e PCP de só quererem “revogar” e “andar para trás”, e sugerem que se actualizem sobre desafios destes tempos.

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Propostas do BE e do PCP foram a debate no Parlamento Enric Vives-Rubio

Se o objectivo dos partidos que apoiam o Governo, PCP e Bloco de Esquerda, era perceber se podiam contar com o PS para alterar a legislação laboral, no que toca a contratos a prazo e bancos de horas, a resposta desta quarta-feira não foi a que queriam ouvir. Apesar de os socialistas concordarem com o teor das propostas, defendem que o tema deve ir à Concertação Social. Ora, o que os partidos à esquerda do PS queriam era outro caminho, o de que as alterações fossem aprovadas no Parlamento, pela maioria de esquerda.

Na prática, este foi o ponto em que ficou a discussão sobre o combate à precariedade, mas no debate as críticas foram mais longe, com a direita acusar o Bloco e o PCP de serem os “velhos do Restelo” por só quererem “revogar” medidas e “andar para trás”. Sugeriram, aliás, que as esquerdas se actualizassem sobre os desafios destes tempos.

Se no debate já tinha ficado claro que o PS não apoiaria as iniciativas das esquerdas tal como estas queriam, ao Negócios o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro dissipou quaisquer dúvidas que ainda houvesse: o PS não vai acompanhar as propostas até "ao final do trabalho em Concertação Social" (o que deixa em aberto a possibilidade de se abster ou chumbar, desde que os projectos sejam inviabilizados).

Em discussão, estiveram cinco projectos de lei (dois do BE e três do PCP), que merecem luz verde do Partido Ecologista Os Verdes. O Bloco quer o fim da negociação individual do banco de horas e acabar também os “buracos” na lei que permitem contratos a prazo, quando não são para satisfazer necessidades temporárias. As preocupações do PCP também se prendem com a desregulação dos horários de trabalho, pedindo o fim dos bancos de horas individuais e grupais.

Os argumentos do BE foram lançados, logo no início, pelo deputado José Soeiro. Todo o discurso foi a apelar precisamente ao papel desta maioria parlamentar de esquerda na aprovação daquelas alterações que visam restringir o número de contratos a prazo e a possibilidade de o trabalhador fazer mais horas do que deve. O bloquista também fez logo questão de lembrar que as duas matérias já mereceram a concordância do Governo (seja no grupo de trabalho sobre o tema, seja no programa do Governo).

O PS, pela voz de Ricardo Bexiga, garantiu que palavra dada era palavra honrada. Acontece que isso não significa ceder à vontade do Bloco e do PCP. Quando insiste que o PS vai cumprir os seus compromissos, o deputado está a dizer que concorda, de uma formal geral, com o teor das propostas, mas discorda que as alterações à legislação laboral sejam feitas de forma parcelar. Mais importante: defende que as soluções passem pela Concertação e não que sejam aprovadas, sem mais, no Parlamento.

"Velhos do Restelo"

Não é este, porém, o entendimento dos partidos à esquerda do PS (que foram também acusados pela direita de marcar este debate para esta altura por razões eleitoralistas, para mostrarem que correm em “pista própria” e não na do PS, e também de competirem de forma “desenfreada” sobre os mesmos temas). 

Autárquicas à parte, o BE foi buscar outros motivos para se avançar com estas alterações (e garantiu que votará favoravelmente os projectos do PCP): José Soeiro, o rosto bloquista do combate à precariedade, defendeu que este tema é uma das prioridades da democracia e o “cimento” da actual maioria. Soeiro insistiu que é no Parlamento que “repousa a representação democrática do país” e que é a Assembleia da República que “tem hoje a obrigação de não falhar” diante das pessoas que representa, para que os “sucessos do país sejam também mudanças nas suas vidas. Estava lançado o desafio.

Mas o PS não mordeu o isco. Ricardo Bexiga fez um elogio inicial aos direitos constitucionalmente consagrados sobre trabalho, disse que “o mercado de trabalho não pode ser como o de qualquer outro bem económico”, onde prevaleça “a óptica da gestão e do lucro”, vincou que o PS está contra a desregulação dos horários, o banco de horas individual deve acabar, que o grupal deve ser regulamentado… Mas a palavra dada pelo PS vai ser honrada também com os parceiros sociais, em sede de concertação social, o que implica outro processo e calendário. Os socialistas, disse o deputado, querem “procurar consensos”. Quanto a prazos, adiantou estar convencido de que “até ao final do ano” já tenham sido encontradas as “melhores soluções” para estes problemas com os parceiros sociais. Tal como o BE, o PCP preferia outra via. A comunista Rita Rato sublinhou que “a concertação social não deve impedir a Assembleia da República de tomar medidas que melhorem a vida das pessoas”.

Mesmo tendo esta sido uma das questões centrais, ninguém se livrou do eterno pingue-pongue esquerda-direita. Foi a social-democrata Mercês Borges quem chamou “velhos do Restelo” ao BE e ao PCP, acusando-os de só quererem “revogar”, “andar para trás, “retroceder” e “ficarem presos no passado”, ao contrário dos sociais-democratas que “se empenham em construir o futuro”. Aos bloquistas e comunistas disse ainda que, se “querem estrangular o PS”, “estrangulem à vontade, mas não estrangulem o país e os portugueses”. Seguindo a mesma linha de pensamento, Adão Silva (PSD) aconselhou os dois partidos a “actualizarem-se” sobre os novos “desafios” do mundo laboral.

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