CGTP e UGT dão sinais de impaciência e pedem resultados ao Governo

CGTP quer mais resultados e a UGT alerta que “ainda há muito por fazer. Será que o clima de romance entre o Governo e os sindicatos está ameaçado? Função pública será um sector determinante.

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CGTP celebra o Dia do Trabalhador com a tradicional manifestação entre o Martim Moniz e a Alameda, em Lisboa Miguel Manso

É certo que neste 1.º de Maio não se erguerão cartazes a pedir a demissão do Governo ou a exigir o fim da austeridade, mas o clima de romance que tem pautado a relação entre o executivo de António Costa e as duas centrais sindicais pode estar comprometido. Do lado da CGTP, que até aqui tem valorizado a reposição de direitos em curso, começam a surgir sinais de impaciência, exigem-se resultados e há greves marcadas em vários sectores. Na UGT, ganha força a ideia de que “ainda há muito por fazer” e o congresso aprovou uma greve na função pública, caso o Governo não abra uma mesa negocial com os sindicatos do sector.

“Valorizamos a reposição de direitos e as matérias que já foram sendo resolvidas, mas estamos numa fase em que se começa a verificar que o Governo está a patinar”, avisa Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP que, nesta segunda-feira, estará na Alameda, em Lisboa, para a tradicional manifestação do 1.º de Maio promovida pela central sindical.

Em alguns sectores, “há sinais claros de que o espaço de diálogo aberto por esta solução governativa está a ter uma lacuna significativa”. “Fala-se muito e resolve-se pouco”, atira, dando como exemplo a greve anunciada pela Soflusa e pela Transtejo ou a da função pública, marcada para 26 de Maio. No privado, “todas as hipóteses estão em cima da mesa”.

“A nossa paciência está condicionada pela capacidade do Governo ouvir e procurar resolver os problemas”, desafia.

Do lado da UGT, que este ano celebra o Dia do Trabalhador em Viana do Castelo, também surgem avisos de que é preciso ir mais longe. “Foram repostos um conjunto de direitos, mas não todos”, diz Carlos Silva, líder da central.

PÚBLICO -
Aumentar

“A Administração Pública teve o último aumento salarial em 2009, estamos em 2017 e ouvimos o Governo dizer que eventualmente só em 2020 ou em 2022 é que poderá haver aumentos. Isso é inaceitável”, destaca em declarações ao PÚBLICO.

Sinais de impaciência

O Governo do Partido Socialista, apoiado no Parlamento pelo PCP e pelo BE, “trouxe um espaço de abertura completamente diferente do Governo anterior e houve uma reposição de direitos”, reconhece Arménio Carlos. “Agora entramos na segunda fase. Há um conjunto de problemas estruturais que ainda não tiveram resposta e que precisam de resposta, sob pena de sermos confrontados com a manutenção de leis que estiveram associadas à acentuação das desigualdades e da pobreza laboral”, precisa, em declarações ao PÚBLICO.

O ponto que está a criar maior foco de tensão é a intransigência do Governo em rever a legislação laboral e em ceder a duas bandeiras que para a CGTP são determinantes: o fim da caducidade dos contratos colectivos e a reposição do tratamento mais favorável.

A função pública é outro ponto problemático que no último conselho nacional da CGTP gerou um aceso debate entre a tendência minoritária ligada ao BE, que defende a importância de os sindicatos participarem na solução para os trabalhadores precários do Estado, e dirigentes da tendência comunista que colocam dúvidas quanto à participação nas comissões que vão decidir quem poderá aceder ao programa de regularização extraordinária e onde os sindicatos estão em minoria. A central acabou por não tomar qualquer decisão, remetendo-a para os sindicatos da função pública congregados na Frente Comum.

Esta situação exemplifica bem os tempos que se vivem dentro da CGTP, central que tradicionalmente assume uma posição de contestação e que agora, perante um Governo com o apoio do PCP e do BE, se vê impelida a adoptar uma posição mais moderada, “para evitar quebrar a base social de apoio ao executivo”. Quem o diz é Carlos Trindade, líder da tendência socialista da CGTP, que considera que a central sindical está numa posição delicada entre o apelo da rua e a necessidade de assumir uma acção “com conta-peso e medida”.

O próprio líder da CGTP que reconhece que no actual contexto “o papel dos sindicatos é mais desafiante”.

Na UGT, o clima é de maior tranquilidade, principalmente depois de ter percebido que o Governo continuava apostado em levar à concertação social – lugar onde a UGT capitaliza a sua influência – temas laborais como a contratação colectiva ou o salário mínimo nacional, o que já deu origem a dois acordos.

O problema, neste momento, reside na função pública. Foi este o sector que criou alguma agitação no congresso morno que decorreu em Março, no Porto, com a aprovação de uma moção que prevê uma greve, caso o Governo não abra a porta a um processo negocial para discutir o descongelamento das carreiras.

Sem pôr em causa a “geringonça”

Apesar da pressão, “nem a UGT, nem a CGTP vão ser factores para abrir uma crise política”, como alerta o antigo presidente do Conselho Económico e Social, Silva Peneda

“A prioridade do PCP, do BE e da CGTP é garantir que a direita não volta ao poder. Vão protestando, mas daí até abrirem uma crise política. Não vejo que isso aconteça, o que dificulta a vida à oposição”, sublinha.

Na verdade, acrescenta o sociólogo do ISCTE, Alan Stoleroff, as duas centrais “têm actuado com bastante cuidado”. Em particular a CGTP que, embora continue a reivindicar, adoptou uma postura mais cautelosa, “para não estorvar o entendimento político estabelecido entre o PS/Governo e os partidos à esquerda”.

Silva Peneda usa como medida da paz social que se vive, os pedidos de arbitragem de serviços mínimos que chegam ao Conselho Económico e Social maioritariamente com origem no sector dos transportes. Em 2012, eram 83, em 2016 já só foram 13. Os números mais recentes, até ao final de Abril dão conta de sete pedidos, o últimos a dar entrada diz respeito às greves da Soflusa e da Transtejo, responsáveis pelo transporte fluvial entre as duas margens do Tejo.

Menos sindicalizados

Se por uma lado a solução governamental condiciona a actuação das centrais sindicais, há outros factores a ter em conta e que não são de agora, como a desmobilização da sociedade. Os sindicatos têm vindo a perder filiados e a crise da contratação colectiva também lhes retira capacidade de intervenção.

Os números mais recentes mostram que nenhuma das duas centrais sindicais pode cantar vitória. Entre 2012 e 2016, período que coincidiu parcialmente com a permanência da troika em Portugal e com taxas de desemprego nunca antes registadas, os que saíram dos sindicatos foram menos do que os que entraram.

Os dados mais recentes mostram que em quatro anos a CGTP perdeu 63.588 sindicalizados. Em Janeiro de 2016, a central representava 550.500 trabalhadores, menos 10,5% do que em 2012 e o número mais reduzido das últimas décadas.

Os números, justifica a central, reflectem a perda de emprego, o encerramento de empresas e o pico de saídas de pessoas para o estrangeiro vivido durante o período da troika. Ainda assim, o líder da CGTP, garante que em 2016 já se notou uma inversão, dando conta novas sindicalizações.

A UGT, que no final de 2016 representava 458.000 trabalhadores, registou também uma perda de sindicalizados embora em menor escala. De 2012 para 2016 verificou-se um recuo de 20 mil pessoas. O relatório do secretariado nacional, destaca que apenas o sector da Administração Pública registou acréscimo de filiados, com as restantes áreas a sofrerem reduções.

Novas causas para os sindicatos

Para a socióloga e investigadora, Maria da Paz Campos Lima, “houve passos positivos [na reposição de direitos] que justificam que não se venha para a rua” e é isso que justifica a paz social que se vive. Isso não significa que “não haja questões concretas e sectores com uma agenda reivindicativa”.

Alan Stoleroff vai mais longe e alerta que num sentido mais lato não se pode falar em paz social, numa altura em que “as transformações no mundo laboral são para muitos trabalhadores de uma violência constrangedora”. A questão é que as oportunidades para a acção ainda não surgiram ou, como alertam outros especialistas, os trabalhadores ainda não encontraram quem os possa representar nessas preocupações.

Elísio Estanque, sociólogo de Coimbra, considera que “é fundamental” os sindicatos mostrarem abertura para questionar a forma como o campo laboral está a ser reformulado, assente no individualismo, na flexibilidade, na pluralidade de vínculos.

“Os próprios sindicatos deviam promover um grande debate público sobre a evolução tecnológica” e não ter receio de abordar o tema sem preconceitos.

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