BCE ajuda empresas portuguesas a financiarem-se nos mercados

Nos seis meses em que comprou dívida emitida por empresas, o BCE comprou 16 títulos de três empresas portuguesas, que beneficiaram de uma redução dos juros suportados.

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O BCE está a aplicar políticas de estímulo económico que tentam facilitar o acesso ao crédito por parte das empresas europeias RALPH ORLOWSKI/REUTERS

Não é só o Estado que, em Portugal, está a ganhar com a máquina de imprimir dinheiro de Mario Draghi. Para além de dívida pública, o Banco Central Europeu (BCE) tem vindo, durante os últimos seis meses, a adquirir títulos de dívida emitidos pelas empresas da zona euro, incluindo três portuguesas, o que tem constituído uma ajuda adicional, sentida de forma directa e indirecta, para o reforço da capacidade de acesso ao financiamento nos mercados por parte das empresas de maior dimensão em Portugal.

São 16 os títulos de dívida - nove emitidos pela EDP, quatro pela Brisa e três pela REN - as obrigações de empresas portuguesas actualmente detidas pelo BCE como parte do seu programa de compras de activos. O resultado, assumem as empresas e assinalam os analistas do mercado, tem sido um contributo adicional para a melhoria das condições que as empresas portuguesas com capacidade para acederem aos mercados encontram quando procuram obter financiamento junto dos investidores.

O início da compra de dívida empresarial pelo BCE aconteceu em Junho de 2016 e, de acordo com o banco liderado por Mario Draghi, até 26 de Dezembro o valor dos títulos adquiridos – através de cinco bancos centrais nacionais da zona euro - ascendeu a 51.216 milhões de euros. Este montante, embora representando quase 30% do PIB anual português, é relativamente pequeno (apenas 4,1%) quando comparado com a compra de dívida pública que já foi efectuada pelo BCE.

Para além desta informação sobre o montante global de compras efectuadas, os dados publicados pelo BCE relativamente ao seu programa de aquisição de dívida empresarial foram  reduzidos ao mínimo.  A entidade liderada por Mario Draghi limita-se a publicar, através dos seis bancos centrais nacionais que efectuam as compras, os códigos de cada um dos títulos adquiridos.

Não é, por exemplo, dada qualquer informação sobre o montante de cada título que passou a estar nas mãos do BCE, nem a que preço cada uma das obrigações foi comprada no mercado. Também não é fornecido sequer o valor das compras realizadas em cada um dos países da zona euro.

Resta então extrair o máximo de informação possível dos códigos divulgados. Em relação a Portugal, fica-se a saber que é o banco central belga que está encarregado de efectuar todas as aquisições de títulos de dívida emitidos por empresas nacionais e que este conta neste momento no seu balanço com 16 séries de obrigações diferentes. Nove títulos emitidos pela EDP, quatro pela Brisa e três pela REN.

Desde o início que se sabia que estas eram as três únicas empresas portuguesas que cumpriam os critérios de elegibilidade do BCE para a compra dos seus títulos de dívida, nomeadamente ter pelo menos uma agência de rating (entre a S&P, Fitch, Moody’s e DBRS) a atribuir uma classificação acima de “lixo” e o título ter uma maturidade entre seis meses e 30 anos.

Não é possível saber quanto de cada um dos títulos de dívida das empresas portuguesas é que o banco central belga comprou. O cálculo que é possível fazer para Portugal é o de que os 16 títulos adquiridos representam 2,4% do total das obrigações empresariais totais. Se o montante comprado de cada título fosse igual, isso colocaria as compras de dívida portuguesa próximo dos 1200 milhões de euros.

Os países com mais títulos são, como seria de esperar, a Alemanha e a França, que juntas representam mais de metade das compras efectuadas.

Os benefícios para as empresas

O facto de poderem contar com o BCE entre os investidores interessados nos seus títulos representa potencialmente uma vantagem para as três empresas portuguesas que têm vindo a fazer parte deste programa. Se o BCE compra a sua dívida, o equilíbrio entre a oferta e a procura aponta para um valor mais alto da obrigação, o que significa uma taxa de juro mais baixa, que se pode fazer sentir mesmo no momento da emissão.

Os dados disponíveis este ano apontam neste sentido. Olhando para a evolução do valor das obrigações das três empresas no mercado secundário, nota-se que no início do ano, quando se tornou evidente que o BCE iria começar a comprar também dívida de empresas, registou-se uma valorização acentuada dos títulos (o que equivale a uma descida das taxas de juro implícitas). Nos meses seguintes e até agora tem-se registado no geral uma correcção progressiva, mas apenas parcial, dessa subida.

Nas emissões realizadas pelas empresas nota-se também uma melhoria nítida das condições obtidas. Um exemplo evidente disso é o facto de a EDP ter efectuado em Março uma emissão de 600 milhões de euros a 7 anos a uma taxa de 2,375% e, depois, em Agosto (já depois de o BCE iniciar as suas compras) realizou uma emissão também a sete anos a uma taxa de 1,125%.

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Os responsáveis das três empresas são os primeiros a dar conta da existência de benefícios. Do lado da EDP assinala-se precisamente “a redução de spread das emissões de obrigações colocadas em mercado, antes e depois do anúncio” do lançamento do programa de compras pelo BCE.

Fonte oficial da empresa do sector eléctrico faz no entanto questão de salientar que a acção do BCE “teve impacto positivo no mercado em geral, aumentando a confiança dos investidores” e que “a EDP, tal como outros emitentes portugueses com rating investment grade, foi também beneficiada”. Neste momento, o mercado obrigacionista representa 70% do total da dívida da EDP.

Do lado da Brisa, que tem no mercado obrigacionista 72% da dívida bruta, os responsáveis da empresa assinalam que aquilo que o BCE fez foi “favorável para os spreads”. “É possível afirmar que o programa de compras do BCE tem efectivamente sido um dos factores que contribuiu para o bom desempenho dos spreads da BCR no mercado secundário, não sendo no entanto possível quantificar esse efeito”, afirma ao PÚBLICO fonte oficial da Brisa.

Na REN, assinala-se o facto de a empresa ser “a única portuguesa com rating de investment grade no conjunto das três maiores agências de notação mundiais”, o que garante, afirma o CFO da REN, Gonçalo Morais Soares, “o acesso ao mercado obrigacionista, independentemente da política de recompra do BCE”. De qualquer forma, o mesmo responsável afirma que o impacto do programa do BCE “sente-se do lado dos custos das operações, que desceram desde o anúncio desta política”.  

O efeito positivo das políticas do BCE não se limita, contudo, nas empresas directamente afectadas. Felipe Silva, analista do Banco Carregosa para o mercado obrigacionista, observa na actual conjuntura os efeitos globais de descida das taxas do total da política expansionista do banco central que levam os investidores irem progressivamente apostando em segmentos que antes estavam esquecidos.

É por isso, explica, que se assiste a uma descida da taxas a que as empresas com capacidade para aceder aos mercados se conseguem financiar.

O analista destaca ainda o facto de se estar a assistir em Portugal a um recurso cada vez maior das empresas ao papel comercial, um instrumento de dívida de curto prazo. Isto acontece porque as emissões de obrigações com prazos mais alargados registam, por força das compras do BCE, níveis de liquidez muito reduzidos. “É esta falta de liquidez que também explica que, numa fase em que se assiste a um aumento das taxas da dívida soberana portuguesa, esse resultado não se reflicta na dívida empresarial. Eventualmente irá fazer-se sentir, mas demora mais tempo”, diz Felipe Silva.

No fim das contas, sobra um motivo para incerteza: o que irá acontecer à capacidade de as empresas portuguesas se financiarem no exterior quando o BCE retirar as suas políticas de estímulo? A resposta irá certamente depender da forma como até lá a economia portuguesa conseguir sustentar uma retoma da actividade.

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