Sánchez tenta compor um puzzle que lhe dê o governo de Espanha

No Parlamento de Madrid, o líder socialista estende a mão a acordos de regime com o PP, mas promete reverter a linha política dos últimos anos. Podemos insiste que é pouco e confirma voto contra a investidura.

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O líder do PSOE prometeu um governo de mudança e reformas PIERRE-PHILIPPE MARCOU/AFP

O secretário-geral do PSOE, Pedro Sánchez, iniciou esta terça-feira a sua ofensiva de charme parlamentar para se converter no novo presidente do Governo espanhol: um governo de mudança, “de diálogo e de acordo”, com um programa “progressista e reformista”, e em aliança com outras formações políticas – incluindo o Partido Popular, a quem prometeu “estender a mão” sempre que estiverem em causa os grandes temas nacionais.

Depois de eleições legislativas inconclusivas e onze semanas de impasse político para a formação de um novo executivo, o líder socialista apresentou formalmente as razões com as quais justifica a sua candidatura à presidência do Governo, no arranque do debate de investidura.  “A Espanha necessita com urgência de um Governo, de uma mudança e de um acordo político para levá-la a cabo”, sublinhou. O resultado eleitoral de Dezembro não é um “puzzle irresolúvel”, considerou; é possível construir uma maioria através da “união de diversas minorias”, defendeu.

Sánchez fez esse esforço, mas falhou o alvo, apresentando-se no Parlamento com um acordo de governo assinado com o Cidadãos, de Albert Rivera, que apenas lhe garante 130 votos – longe dos 176 que precisa de obter para a maioria absoluta na votação marcada para quarta-feira à noite. Se, como é previsível, ficar aquém, uma segunda volta, que já só exige uma maioria simples, acontecerá 48 horas mais tarde, ou seja, na noite de sexta-feira: desde 1978, nenhum candidato a chefe do Governo fracassou na investidura.

“A primeira força política declinou a responsabilidade que lhe foi encomendada pelo chefe de Estado”, lembrou Sánchez, na sua primeira referência ao Partido Popular e ao seu líder Mariano Rajoy, que sem maioria parlamentar e sem margem para formar uma coligação, apostou tudo na convocação de novas eleições. Para o socialista, não faz sentido “repetir a campanha eleitoral”: é a última coisa que querem os cidadãos, cuja escolha nas urnas foi uma recomposição do matiz ideológico da câmara parlamentar, notou.

A maioria dos espanhóis – “que representamos e para quem trabalhamos” – indicou qual deve ser a orientação do novo governo e o seu claro mandato: a mudança, destacou Sánchez. “Dezoito milhões de espanhóis votaram pela não continuidade do actual Governo. Dezoito milhões de espanhóis esperam um Governo distinto, que repare as consequências dos erros cometidos e abra caminho a outras e melhores políticas”, frisou. O socialista não ignorou, todavia, que sete milhões de eleitores mantiveram a sua confiança no partido do anterior governo: a bancada do PP terá, por isso, uma palavra a dizer sobre os grandes assuntos de Estado, integridade territorial, reforma constitucional e unidade frente ao terrorismo, enumerou.

No entanto, foi cristalino sobre a sua intenção de reverter o caminho seguido nos últimos anos. “Abandonemos as políticas de Rajoy e do Partido Popular”, propôs. A escolha, sintetizou, é entre dizer que sim ou dizer que não a Rajoy, ao seu governo em funções e às “imposições, chantagens e ao abandono da mesa das negociações”. Em alternativa, ofereceu “cedências e entendimentos”, porque – insistiu – é imprescindível pôr fim ao bloqueio político, formar governo e “seguir em frente”, deixando para trás o “modelo anacrónico e obsoleto” que é a dos conservadores.

A resposta dos restantes partidos ao discurso do candidato a presidente do Governo só acontece esta quarta-feira, mas o PP não perdeu tempo e, enquanto Sánchez ainda discursava nas Cortes, lançou online a sua campanha contra a investidura do socialista e o acordo fechado entre o PSOE e o Cidadãos. “O pacto PSOE-Cidadãos não é nem de investidura nem de governo. Não nos enganem. É um acordo de perdedores”, diziam uma série de mensagens publicadas no Twitter.

“Entendo que a maior parte das minhas medidas não vos agrade”, reconheceu Sánchez, dirigindo-se à bancada conservadora, a única com quem excluiu qualquer pacto de governo. “Mas não entendo que outros grupos nesta câmara não as apoiem”, atirou, em tom crítico, para atingir os deputados do Podemos. O movimento de esquerda dirigido por Pablo Iglesias rompeu as negociações com o PSOE assim que foi anunciado um acordo com o Cidadãos (a quem Sánchez deixou um agradecimento pela “valentia e coragem” demonstradas ao longo do processo negocial).

Aumentando a pressão sobre o Podemos – e também sobre outros partidos mais pequenos – Sánchez apelou aos princípios e recordou a aritmética da votação para a investidura. O executivo que se propõe liderar estará baseado na “humildade”, na “ambição” e no bem geral "que está acima das siglas e das ideologias”. O socialista sabe que não pode “pedir às demais forças da mudança que apoiem em 100%” o seu programa, mas a negociação não passa por respeitar “exclusivamente” as exigências de forças com menor representação: “A mudança modela-se no acordo, não no assalto. O desafio é muito claro, queremos uma mudança de governo baseado num acordo ou não?”

Iglesias não se mostrou muito comovido, nem com as propostas apresentadas por Sánchez no hemiciclo, nem com o seu discurso, que considerou “decepcionante”. “Soube-me a mais do mesmo”, reagiu, repetindo o argumento usado para denunciar o pacto dos socialistas com o Cidadãos. O porta-voz do partido confirmou pouco depois que o Podemos vai votar contra a investidura. “Ainda estamos disponíveis para um acordo, mas para nós este não é o caminho da mudança. A não ser que o PP se abstenha, não haverá investidura”, afirmou otro dirigente deste partido, Iñigo Errejón.

 

 

 

 

 

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