Uma pedra no sapato e uma pedrada ao PSD

Com a direita, foi uma espécie de ajuste de contas; com a esquerda, foi um começar a fazer as contas.

Arrancou a discussão e a votação na generalidade do Orçamento do Estado para 2016. Não será para cumprir calendário, mas o calendário e o sentido de voto de cada bancada já estão definidos à partida. Enquanto não chega o debate na especialidade, a discussão na generalidade é mais política, mais genérica, mais dada aos ajustes de contas e mais convidativa aos soundbites. Além da tirada de António Costa do “passismo ao passadismo” ou da definição humorística de Nuno Magalhães sobre o Homo socialista, a discussão e a votação do Orçamento serviu para cristalizar um momento que é histórico nas bancadas mais à esquerda no Parlamento: pela primeira vez, PCP e Bloco vão votar favoravelmente um Orçamento do Estado anual.

É verdade que Catarina Martins disse que este “não é o Orçamento do Bloco de Esquerda”, já que “é tímido na recuperação de salários e pensões”. E é verdade que Jerónimo de Sousa repetiu exactamente a mesma frase – “este não é o nosso Orçamento”, já que “fica aquém do necessário e até do possível". Mas quer a porta-voz do Bloco quer o secretário-geral do PCP deram a António Costa o respaldo que o primeiro-ministro precisava para fazer passar o seu primeiro Orçamento no Parlamento. Até já se percebeu, pelo tom de cordialidade no debate, que nem a discussão na especialidade fará periclitar os entendimentos à esquerda. António Costa fez questão de conhecer, de negociar e de fazer as contas de antemão ao caderno de encargos de um e outro, para que não haja qualquer surpresa até ao dia 16 de Março, dia da votação final global. E pelos vistos há medidas, como a proposta sobre a tarifa social da energia do BE, que já estão muito bem encaminhadas.

Resta saber é se esta harmonia à esquerda irá sobreviver à necessidade de o Governo ter de apresentar em Bruxelas, como se comprometeu, um plano B com medidas concretas e pouco simpáticas. Foi esta a pedra no sapato do Governo que a direita tentou explorar politicamente, além, naturalmente, dos vários esboços, versões, erratas e erratas de erratas feitas durante a elaboração do Orçamento.

Mas o PSD também deixou um flanco bastante desguarnecido na discussão política e que naturalmente foi explorado pelo PS. Dizer que vai votar contra o Orçamento não só é esperado, como é coerente com a posição que os sociais-democratas têm defendido. Ao menos, e ao contrário do CDS, teve a sensatez de esperar para conhecer o documento antes de anunciar o seu chumbo. Mas assumir que o partido não vai apresentar qualquer proposta de alteração ao documento passa uma imagem de birra política, de ficar agarrado ao passado (dando argumentos à tese do passismo/passadismo) e, como sublinhou e bem Carlos César, o PSD “prescinde de melhorar o que acha que é mau”. Isto não é politicamente prudente e é bastante inútil para o país.

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