Uma Espanha à portuguesa?

À hora a que escrevo, com as primeiras sondagens e resultados das eleições espanholas, não é possível prever qual vai ser o próximo governo do país vizinho. Mas é possível desejá-lo. E aí, sem surpresa, o meu desejo é que se forme em Espanha uma maioria de governo à portuguesa, ou seja, ancorada à esquerda.

Uma maioria à portuguesa em Espanha seria a melhor notícia para a Europa. Quebraria de vez com a maioria do Partido Popular Europeu (a que pertencem em Portugal o PSD e o CDS, e na Alemanha a CDU de Angela Merkel) no seio do eurogrupo. Um dos maiores países da União Europeia, e quarta economia da zona euro, passaria da coluna da austeridade para os aliados de uma maior flexibilidade na gestão das despesas e das dívidas públicas do euro. Todas as economias do Sul do euro (à exceção talvez de Malta) passariam a estar do mesmo lado crítico em relação ao ordoliberalismo alemão. Em poucos meses, a Península Ibérica passaria do seguidismo ao Ministro Schäuble para uma posição autónoma e mais afirmativa dentro do euro. Acima de tudo, um governo ancorado à esquerda em Espanha permitira relançar a discussão política à escala europeia, que é o que nos tem faltado.

Por isso mesmo, uma maioria à portuguesa em Espanha seria também a melhor notícia para Portugal. Se queremos que as coisas corram bem ao novo governo e ao novo parlamento português no plano europeu, é bom ter aliados numa situação económica e posição geográfica próxima da nossa. Na conquista de um plano de recuperação e relançamento para as economias da zona euro, seria essencial contar com a Espanha do nosso lado. E depois da mudança vigorosa na Grécia, histórica em Portugal e mais mitigada na Itália, uma Espanha à esquerda completaria a melhor e mais democrática vingança daqueles a quem chamaram "porcos" — os PIGS.

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Acima de tudo, porém, uma Espanha à portuguesa seria a melhor notícia para a própria Espanha. O nosso país vizinho está a passar por uma crise constitucional. Tudo o que há uns anos não se punha em causa — da forma de regime à independência das nações históricas espanholas — está agora em jogo. O que será a Espanha futura só aos seus cidadãos compete decidir. Mas uma coisa é certa: a inflexibilidade da direita espanhola tem agravado os problemas. Se há alguma esperança para uma evolução harmónica da “polis” espanhola, provavelmente em torno de uma solução federal, esta só pode ser alcançada pelo PSOE e sobretudo pelo Podemos, com a sua ligação aos movimentos na Catalunha e no País Basco (onde o Podemos e seus aliados foram vitoriosos) e também na Galiza (onde o Podemos se aliou aos movimentos cidadãos das “Marés” e ao galeguismo do histórico Xosé Manuel Beiras).

E o que é melhor: isto pode mesmo acontecer. Segundo os números do El Mundo, o PP e o Cidadãos têm menos deputados do que o PSOE e o Podemos. Com o concurso dos partidos catalães, a esquerda pode chegar à maioria. Basta agora que o PSOE não opte pela solução auto-destrutiva de se aliar à direita.

Na crónica a seguir às eleições portuguesas previ aqui a maioria que demorou depois dois meses a concretizar-se. Ficaria muito feliz se uma maioria do mesmo tipo se formasse agora em Espanha.

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