Vinho de Portugal mostra-se em Hong Kong para mostrar que “tudo mudou” no sector

País foi a estrela da maior feira asiática do sector, em Hong Kong e apostou forte para mostrar que tem mais para oferecer além do vinho do Porto. No primeiro semestre do ano as exportações de vinho para a China cresceram 58%.

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Portugal ainda é um país desconhecido no mundo dos vinhos na China Reuters/Victor Fraile

Nas páginas dos jornais, na comunidade de negócios ou nas conversas dos especialistas e dos apreciadores, nunca o vinho português foi tão citado e comentado em Hong Kong como nos três últimos dias. Portugal foi o país convidado da oitava edição da Feira Internacional de Vinho e Espirituosos de Hong Kong, considerado o mais importante evento do sector da Ásia, e para os produtores nacionais e para a Viniportugal, o organismo dedicado à promoção externa do sector, abriu-se uma oportunidade única para tapar um buraco na estratégia das exportações: o muito baixo valor das vendas nacionais de vinho para este território da China que vive sob um estatuto especial de autonomia. Para lá do seu potencial de mercado (os seus 7,1 milhões de habitantes geram um PIB de 258 mil milhões de euros, contra 173 mil milhões de Portugal), Hong Kong é uma das principais plataformas de distribuição de vinhos para a China e Taiwan.

Não admira por isso que a Viniportugal se tenha esmerado na preparação do evento. A estrutura onde se albergaram 45 produtores nacionais e cerca de 500 vinhos, localizada na zona central da feira, dava nas vistas. Não tanto como a da Espanha, que levou a Hong Kong 73 produtores. E ainda menos do que a da França e da Itália, que, com 151 e 226 produtores, respectivamente, continuam a mostrar por que razão os seus vinhos dominam o mercado asiático, que tem sustentado o ritmo de crescimento global do sector na última década. Mas, depois destas representações e da Austrália (67 produtores), Portugal era a quarta maior delegação presente na feira, o que deixou os produtores nacionais presentes satisfeitos. Para lá das bancas, construiu-se a meio uma pequena sala aberta onde se organizaram provas, se apresentaram livros e se deram aulas sobre as razões pelas quais o vinho de Portugal é “um mundo de diferenças”.

Debra Meiburg, uma Master of Wine que é considerada uma das mais profundas conhecedoras do mercado asiático, explicou na cerimónia de abertura as razões que levaram a feira a convidar Portugal para ser o destaque do evento: “É importante começar a olhar o vinho português para lá do vinho do Porto”, porque, sublinhou, “nos últimos anos tudo mudou”. Se há alguns anos o reconhecimento do valor da produção nacional era, exceptuando o Porto e o Madeira, “irrelevante”, está na hora de mudar as ideias antigas sobre o sector. Debra descreveu o sector nacional como uma combinação entre o antigo e o moderno, construído por “pessoas que sabem trabalhar em conjunto” e que tem conseguido criar vinhos de classe mundial.

Na mesma cerimónia, Nuno Vale, director de marketing da Viniportugal, reforçou essa ideia ao lembrar que em 2014 o vinho de Portugal, juntamente com o italiano, foi o único capaz de escapar à baixa generalizada de preços no mercado mundial. Depois, citou a crítica internacional especializada, principalmente a britânica e norte-americana, que continua a prestar uma atenção ao vinho português muito acima do seu volume de produção ou do seu valor de mercado. No ano passado, a Wine Spectator colocou três vinhos portugueses entre as quatro melhores escolhas do mundo e já em 2015 a associação internacional de jornalistas e críticos de vinhos elegeu a Sogrape como a “melhor produtora mundial”. Perante tantos atributos, Debra Meiburg foi taxativa: “Há uma enorme expectativa na China em relação ao vinho português”.

Os números parecem confirmar essa expectativa. No primeiro semestre deste ano, as exportações para a China aumentaram 58%. Na década compreendida entre 2004 e 2014, as exportações para a China cresceram 563% em valor e 518% em volume. Mas nem a expressividade dos números é capaz de gerar qualquer ponta de euforia no sector. “O mercado chinês é muito volátil”, diz Nuno Vale. “Se hoje um importador compra vinhos, amanhã pode estar a pedir queijos ou cintos”, concorda Pedro Tamagnini, da Quinta dos Avidagos, um dos produtores portugueses presentes. O que isto quer dizer é que no final de 2015 tanto se pode verificar um crescimento de vendas para a China na ordem dos dois dígitos como constatar-se que os números dos primeiros meses do ano recuaram até Dezembro. Para os portugueses, a China é ainda um mercado pouco relevante – no ano passado as vendas para este país valeram 9,6 milhões de euros, contra 6.1 milhões do “pequeno” mercado de Macau. Portugal pesa muito pouco no gigantesco mercado de vinho da segunda economia mundial (cerca de 1%), que vale cerca de 1140 milhões de euros. Na contabilidade geral, a China é o sexto maior mercado fora da Europa e o 15º em termos gerais. Mas está a crescer e para os produtores portugueses, como para os seus congéneres, continua a ser visto como uma âncora para o futuro.

As dificuldades, porém, são imensas. Judy Chan, presidente de uma companhia produtora de vinhos na China, a Grace Vineyards, lembra que antes de escolherem uma marca de vinhos, os chineses escolhem o país da sua proveniência – só quando não podem comprar um vinho estrangeiro é que optam pela produção nacional. Neste contexto, “Portugal é um país desconhecido”, notou. E ainda mais desconhecidas são as suas regiões e as suas castas. Nuno Vale e a equipa da Viniportugal que segue o mercado chinês dão conta deste problema. “É um mercado difícil para nós porque os nossos argumentos de venda têm por base a noção de que os nossos vinhos são diferentes”, nota Nuno Vale. “Toda a gente se queixa que não compreende o mercado”, acrescenta. Explicar a consumidores com pouca informação que em Portugal se usam castas como a Touriga Nacional ou a Encruzado  e não variedades internacionais como a Pinot Noir ou a Cabernet Sauvignon , é uma tarefa ciclópica. Ainda assim, e de acordo com um estudo de Justin Cohen, da Universidade do Sul da Austrália, 21% dos chineses que compram vinho português estão dispostos a repetir a experiência – 36% nos vinhos franceses e 18% nos californianos, por exemplo.

Para superar as barreiras actuais, Hong Kong é uma catapulta fundamental. Mesmo que, para já, não passe de um destino quase exótico e irrelevante para os vinhos portugueses – as exportações ficaram-se pelos 2,2 milhões de euros e este ano se as vendas em volume cresceram 7,7%, em valor regrediram 10%. Para lá da vantagem de ser um mercado maduro e informado, capaz de escolher pela qualidade intrínseca, o território tornou-se um centro de distribuição para os mercados chineses. No ano passado Hong Kong reexportou 284 milhões de euros em vinhos.

E é neste contexto que o destaque obtido por Portugal numa feira com mais de mil expositores de 32 países e por onde passaram mais de 20 mil visitantes profissionais (e outros tantos consumidores) é importante. Resta agora esperar que a mensagem passe e que o universo dos conhecedores se alargue. Até porque, como lembra Vitor Sereno, cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, na região há 165 mil titulares de passaportes nacionais, dos quais cerca de 5000 serão jovens portugueses que emigraram nos últimos anos para estas paragens. Uma boa base para que a mensagem se espalhe.   

O PÚBLICO viajou a convite da Hong Kong International Wine and Spirits Fair

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