O dia em que a China pintou o mundo de vermelho

PSI 20 acompanhou a tendência europeia e teve a pior queda desde Outubro de 2008. Praça portuguesa desvalorizou 3,02 mil milhões de euros.

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AFP / STR

Palavras como “pânico” e “Lehman Brothers” foram utilizadas enquanto se assistia à derrocada das bolsas asiáticas e europeias, e ilustram o sentimento vivido nos mercados, com impactos nos preços das matérias-primas.

Enquanto a Europa dormia, as bolsas chinesas marcavam o arranque da semana com a maior queda diária desde 2007, o ano em que se iniciou a crise financeira nos Estados Unidos. Depois de vários meses a subir (por vezes sem adesão à realidade económica, até fazer um efeito de bolha que está agora a rebentar), a perda de 8,46% registada nesta segunda feira em Xangai caiu em cheio nos mercados internacionais. Na semana anterior a queda acumulada tinha superado os 11%. Quando se esperava que as autoridades fossem mais interventivas no mercado e tal não aconteceu (houve apenas a autorização para os fundos de pensões públicos adquirir mais acções), os receios levaram a fortes vendas. Habitualmente cautelosa com os termos, a expressão “segunda-feira negra” utilizada pela agência noticiosa governamental Xinhua deixa poucas dúvidas sobre a gravidade da queda que se registou nesta segunda-feira na China.

O primeiro abalo de grandes dimensões foi sentido no do Japão, mas as ondas de choque não tardaram a chegar à Europa, com os investidores a reduzirem de forma expressiva a sua exposição ao mercado de capitais. Só o PSI 20, que fechou a perder 5,8%, descendo a barreira dos 5000 pontos após com a maior queda desde Outubro de 2008  (data da derrocada do Lehman Brothers), viu “fugirem” 3,02 mil milhões de euros. O tombo das praças europeias foi geral (em Paris o CAC derrapou 5,35%), num dia em que o índice pan-europeu FTSEurofirst 300 chegou a desvalorizar 6,4%, o que significa uma perda da ordem dos 500 mil milhões de euros. Já as bolsas dos Estados Unidos refizeram-se do susto e, após perdas elevadas, acabaram por encerrar nos -3,78% (Nasdaq) e -3,57% (Dow Jones), com empresas como a Apple a recuperar após o presidente executivo, Tim Cook, ter enviado um email a Jim Cramer, um popular apresentador de um programa televisivo sobre mercados financeiros, a assegurar que o negócio na China está a correr bem.

A diferença entre os mercados europeus e o norte-americano reside no comportamento das duas economias, com as empresas exportadoras europeias a serem fortemente penalizadas, numa altura em que se luta contra a baixa inflação (ou deflação) e o crescimento económico é ainda muito ténue.

“A ideia de que a economia chinesa pode arrastar os Estados Unidos de volta à recessão é ridícula, quando a economia norte-americana tem o dobro do tamanho e está alicerçada no consumo interno”, defendeu um analista. Com pouca exposição directa ao mercado de acções chinês, no caso europeu o receio é precisamente o de um impacto negativo derivado do arrefecimento da economia chinesa. Além  da recente desvalorização do yuan pelo banco central chinês, que levou à desconfiança de que Pequim estivesse a manipular a moeda para impulsionar as exportações e sustentar o crescimento previsto para 2015, uma série de indicadores apontam para a desaceleração da segunda maior economia do mundo. O último, o índice PMI de actividade industrial, foi publicado na sexta-feira e apontava para o valor mais baixo em seis anos.

Um analista que solicitou o anonimato referiu  as perdas na bolsa podem gerar vendas de dívida soberana europeia, gerando uma queda dos preços das obrigações, fazendo subir as taxas implícitas (yields), como aconteceu na crise da dívida, em que a pressão vendedora era alta. Além disso, a crise nos mercados financeiros mundiais pode levar a Fed a adiar a subida de taxas de juro (ver caixa). Esse cenário já fez valorizar o Euro face ao dólar, o que afecta as exportações.

O gestor de activos do Banco Carregosa, Rui Bárbara, entende que “os dados sobre o abrandamento do ritmo de crescimento da produção industrial na China para níveis de há seis anos foi apenas um sinal de alerta para começarem a chover ordens de venda”. E lembra que “o facto de estarmos em Agosto, e haver menos liquidez a ser transaccionada, também amplifica as quedas”.  Já Steven Santos, do Banco de Investimento Global (BiG), avalia que não há uma causa isolada que tenha motivado a queda do início desta semana. “Deve-se a um acumular de factores pessimistas”, considera, explicando que a situação na Grécia ajuda a empurrar os mercados europeus para baixo. Para os dois especialistas, a volatilidade das bolsas chinesas torna difícil de prever o que vai acontecer a seguir, considerando no entanto que ainda há margem para que existam novas quedas. Para já, a demonstração de falta de confiança no mercado chinês provoca uma expectativa sobre quais serão os próximos passos de Pequim. Com João Pedro Pereira e Rosa Soares

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