Tribunais esperam há mais de dois anos por vídeos para gravar depoimentos

Alteração ao Código Processo Penal, em Fevereiro de 2013, determinou que interrogatórios são registados em regra em áudio ou audiovisual. Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que investiga Sócrates, é dos únicos que possui sistema.

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Sindicato até reclama contratação de 300 funcionários judiciais mas não concorda com as regras seguidas pelo ministério RUI GAUDêNCIO

Em Março de 2013 entrou em vigor uma alteração ao Código Processo Penal que determinou que os interrogatórios são registados em regra em áudio ou audiovisual. No entanto, a esmagadora maioria dos tribunais e dos serviços do Ministério Público não dispõem de equipamentos de vídeo para fazer aquele registo, limitando-se a gravar a diligência em áudio. O Ministério da Justiça diz que, neste momento, “está a ser efectuado o levantamento” dos espaços que precisam de sistemas de gravação vídeo, ao mesmo tempo que está a decorrer uma experiência piloto numa secção de instrução criminal. Está previsto o arranque de mais dois projectos-pilotos em Julho.

“Prevê-se que até Setembro esteja concluída a experiência e seja possível dar início ao procedimento de contratação destinado à aquisição dos equipamentos necessários para dotar todos os tribunais e serviços do Ministério Público de equipamento de gravação vídeo”, afirma o gabinete do secretário de Estado da Justiça, numa resposta enviada ao PÚBLICO. E enfatiza: "Todos os tribunais estão equipados com sistemas de gravação áudio”.

O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), especializado na investigação da criminalidade violenta e altamente organizada, é dos únicos que grava o som e a imagem nos interrogatórios, como aconteceu no passado dia 27 de Maio com o depoimento de José Sócrates. Tal acontece desde que, em 2013, para dar cumprimento àquela mudança legislativa, o DCIAP adquiriu dois sistemas de gravação audiovisual.

O mesmo não acontece, contudo, nos dois serviços do Ministério Público que movimentam mais inquéritos, os departamentos de investigação e acção penal (DIAP) de Lisboa e do Porto, que não possuem qualquer sistema de gravação audiovisual.

A procuradora Maria José Morgado, que lidera o DIAP de Lisboa, explica porque pediu recentemente este equipamento, que custa entre sete e dez mil euros. “A lei contra a violência doméstica recomenda a gravação em vídeo dos depoimentos devido ao constrangimento existente entre agressor e vítima. A gravação também é muito importante nos depoimentos para memória futura nos casos de abuso sexual de menores, para evitar que a vítima tenha que repetir o seu testemunho ao longo do processo”, sustenta Maria José Morgado.

A possibilidade de transmitir os interrogatórios feitos na fase de investigação durante o julgamento é uma das principais vantagens. “É a forma mais eficaz e mais célere de confrontar os arguidos com declarações prestadas em inquérito”, defende Morgado. Desde Março de 2013 que os interrogatórios feitos por um juiz ou um procurador na presença do advogado do arguido podem ser usados na fase de julgamento. Foi essa mudança que levou a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, a defender que tal impunha que as declarações fossem “documentadas através de registo audiovisual ou áudio”. O uso de outros meios só é possível quando áudio e audiovisual não estão disponíveis.  

O juiz António Costa Gomes, que desenvolveu uma plataforma informática que permite localizar e exibir de forma rápida em tribunal documentos dispersos por muitos volumes, tem corrido o país a apresentar a sua ferramenta. E, por isso, conhece bem as tecnologias existentes nos tribunais. Sistemas de gravação apenas conhece dois no DCIAP. “No resto do país não há”, constata. “O legislador alterou a lei que é barato, mas não se preocupou em dotar os tribunais e o Ministério Público de equipamentos”, critica. O juiz também grava algumas das suas diligência em vídeo, mas fá-lo com uma câmara sua e com DVD que paga do seu bolso. A imagem tem a vantagem de permitir registar a postura dos arguidos e a sua aparência. “Por vezes as vítimas têm dificuldades em reconhecer os arguidos porque na fase do julgamento eles mudam a aparência: cortam o bigode ou pintam o cabelo”, especifica António Costa Gomes.

No distrito judicial de Évora, que se estende até ao Algarve, não existe nenhum equipamento de gravação vídeo, mas há pelo menos duas videoconferências. O procurador-geral distrital, Alcides Rodrigues, acredita que o nível das tecnologias na Justiça em Portugal não é mau. “Nos tribunais de toda a área de Paris só existe uma videoconferência e na Holanda só há um equipamento móvel que anda de um lado para o outro”, argumenta.

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