Juristas criticam proposta de tribunais para investidores estrangeiros defendida por Seguro

PS justifica a medida devido ao fraco investimento estrangeiro, lembrando que a morosidade judicial afasta investidores.

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A proposta de Seguro não é pacífica Nuno Ferreira Santos

A questão é polémica. António José Seguro propôs sábado, na na terceira conferência para a convenção “Novo Rumo”, a criação de um tribunal especial para os investidores estrangeiros, mas constitucionalistas contactados pelo PÚBLICO reprovam a ideia. À excepção de Isabel Moreira, deputada pelo PS e constitucionalista, que afasta o cenário de inconstitucionalidade.

O presidente do Sindicatos dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Rui Cardoso, diz que independentemente de ser ou não inconstitucional, a medida “é desnecessária e errada, porque estes litígios já hoje fogem aos tribunais comuns”.

Para este magistrado, a medida “é desnecessária porque está por provar a existência de qualquer relação directa entre o investimento estrangeiro e a eventual morosidade dos tribunais portugueses”. “Se olharmos para os países com mais investimentos verificamos que a maior parte deles têm sistemas judiciais muito piores do que o nosso”, garante Rui Cardoso, frisando que é já hoje prática corrente que nos grandes contratos de investimento está estabelecido que será resolvida por um tribunal arbitral”.

À proposta de Seguro, o presidente do SMMP contrapõe que “aquilo que o país tem de fazer é investir numa justiça de qualidade e de celeridade para todas as pessoas seja elas singulares ou pessoas colectivas nomeadamente empresas”. E conclui: “Não me parece correcto que privilegiemos um tipo de empresas ou negócios em detrimento das demais. Aquilo que é preciso fazer é investir em todo o sistema de justiça”.

Pouco entusiasta da medida, mostra-se também a bastonária da Ordem dos Advogados. Elina Fraga considera-a “muito infeliz”, a acusa o secretário-geral do PS pretender “ter um tribunal para ricos [investidores], deixando para os portugueses os tribunais dos pobres”.

Também o constitucionalista Pedro Bacelar Gouveia insurge-se contra a proposta de Seguro, porque, frisa, “significaria que haveria um tratamento privilegiado dos investidores estrangeiros em relação aos nacionais”. Mas “mais do que haver tratamento privilegiado haveria para o Estado uma justiça a duas velocidades: uma rápida para os grandes grupos económicos estrangeiros e uma justiça lenta para os remediados e para os mais pobres”.

“A medida é inconstitucional, porque viola o princípio da igualdade”, defende o constitucionalista e ex-dirigente do PSD, para quem “há uma discriminação nacional em função da condição económica e em função da matéria ou do ramo do direito a aplicar”, uma vez que “o princípio não se aplicaria à parte criminal nem administrativa, apenas à parte comercial”.

“Acredito que a medida possa até ser bem-intencionada, mas o seu resultado será desastroso para o equilíbrio que deve de haver na justiça portuguesa nos seus diferentes tribunais”, observa.

O PS, por seu lado, garante que a “Constituição não proíbe a criação de tribunais de competência especializada, excepto no foro criminal” e adianta que “outros tribunais de competência especializada já existem”. “Afastamos qualquer tentativa de violação da lei, a questão é de natureza política”, diz o PS em resposta às perguntas enviadas pelo PÚBLICO.

“Temos um problema específico: fraco investimento estrangeiro e falta de confiança na eficácia dos tribunais para resolverem as grandes causas. Queremos resolvê-lo através de uma justiça rápida que trate bem o investimento”, acrescenta o PS na nota, frisando que “os investidores identificam a morosidade das decisões dos tribunais como um dos principais obstáculos para investirem em Portugal”.

 No mesmo sentido, a deputada eleita pelo PS e constitucionalista Isabel Moreira afasta o perigo da inconstitucionalidade da medida e afirma que “já existem tribunais específicos como acontece, por exemplo, com os tribunais judiciais de Família”. “Os únicos que são proibidos são os tribunais criminais ou os penais especiais”, assegura. Isabel Moreira salienta que, do ponto de vista legislativo, a medida terá de ser concretizada de forma a “não chocar com o que diz a Constituição”.


 
 
 

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