BCE injecta mais 360 mil milhões, mas mercados ficaram desiludidos

Programa de compra de dívida é prolongado por pelo menos mais seis meses e as taxas de juro de depósito são cortadas para um novo mínimo histórico. Não é o suficiente, respondem os mercados.

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Mario Draghi assumiu novas medidas esta quinta-feira REUTERS/Yves Herman

Pode ter sido um caso de criação de expectativas demasiado elevadas, mas a verdade é que, apesar de Mario Draghi ter anunciado a extensão por, pelo menos, mais 360 mil milhões de euros do programa de compra de dívida e o corte da taxa de juro de depósito do BCE para um mínimo histórico, os mercados reagiram com uma subida do euro (que retira força à economia europeia) e uma descida das bolsas. O Banco Central Europeu (BCE) apresentou medidas destinadas a estimular a economia e a combater o risco de deflação, mas desilusão foi a palavra de ordem entre os investidores.

As decisões do banco central foram anunciadas a dois tempos. Primeiro, ao final da manhã, um comunicado dava conta da descida da taxa de juro dos depósitos do BCE para -0,3%, um valor inédito e que compara com os -0,2% que estavam em vigor anteriormente. A principal taxa de refinanciamento da autoridade monetária ficou inalterada nos 0,05%.

A taxa de juro da facilidade de depósito é aquela que é aplicada às reservas financeiras deixadas pelos bancos comerciais da zona euro no Eurosistema de bancos centrais. Os responsáveis do BCE já a tinham colocado num valor negativo como forma de tentar incentivar os bancos comerciais a emprestarem mais dinheiro às famílias, empresas e outros bancos, em vez de acumularem reservas no banco central. Agora decidiram ir ainda mais longe.

Passados 45 minutos, as outras medidas foram anunciadas por Mario Draghi em conferência de imprensa. A mais esperada era um reforço do programa de compra de activos que o banco central já tem em vigor desde Março deste ano, que veio realmente a acontecer.

Mantém-se a compra de activos, especialmente dívida pública, de 60 mil milhões de euros ao mês, mas em vez de o programa durar “pelo menos” até Setembro de 2016, como estava previsto, irá prolongar-se “pelo menos” até Março de 2017. São mais seis meses de compras, o que passa o volume mínimo do programa de 1080 mil milhões de euros para 1440 mil milhões.

E foram ainda anunciadas outras medidas. Mario Draghi revelou que agora, sempre que um título de dívida detido pelo BCE atingir a sua maturidade, todo o dinheiro será reinvestido. Isto significa na prática que, até que o BCE o considere necessário, as compras do banco no mercado vão ser prolongadas ainda durante mais tempo.

O presidente do banco central anunciou ainda que a partir de agora, para além da dívida pública dos Estados da zona euro, também os títulos de dívida de autoridades regionais e locais poderão ser adquiridos no âmbito do programa.

Reacção negativa
Perante esta série de novas medidas, poder-se-ia pensar que a resposta dos mercados seria uma continuação da depreciação do euro para um valor ainda mais próximo da paridade com o dólar, algo que, não sendo um objectivo explícito do BCE, contribui de forma decisiva para estimular a economia (porque torna as empresas mais competitivas face ao exterior) e faz com que a inflação suba (porque as importações ficam mais caras).

No entanto, tal não aconteceu. Nos minutos imediatamente a seguir ao anúncio, o euro iniciou uma subida face ao dólar, que chegou a atingir os 2% face ao valor do dia anterior. De igual modo, os índices das principais bolsas europeias iniciaram uma descida acentuada, que em alguns casos chegou aos 3%.

O problema terá estado no desfasamento entre o que eram as expectativas dos mercados e aquilo que acabou por acontecer na realidade. E aqui, Mario Draghi e os seus pares têm uma boa dose de culpa.

Desde a reunião do passado mês de Outubro que o presidente e outros responsáveis do BCE têm vindo a alimentar a expectativa de uma nova acção muito vigorosa de estímulo à economia e de combate à deflação.

Em particular, a principal decepção dos investidores vem do facto de o BCE não ter decidido acelerar o ritmo das compras de dívida pública que está a efectuar. Preferiu manter o valor das compras mensais em 60 mil milhões de euros, quando a expectativa era em média de uma subida para 70 mil milhões de euros mensais.

Em relação à redução da taxa de depósito de -0,2% para -0,3%, o que aconteceu foi a concretização do cenário menos ambicioso, já que a dúvida residia entre uma descida para -0,3% ou para -0,4%.

Na conferência de imprensa, com os jornalistas a perguntarem de imediato o que pensava desta reacção negativa dos mercados, Mario Draghi defendeu-se. Disse que as medidas adoptadas “são muito significativas” e que “os objectivos do BCE podem ser atingidos”.

Em particular, o responsável máximo do banco central fez questão de enfatizar que a importância que pode ter a decisão de reinvestir o valor dos títulos que atingem a maturidade. “Isto significa que o investimento pode começar antes de Março de 2017, mas certamente irá continuar a seguir a essa data”, disse, tentando mostrar que o prolongamento das compras do BCE é ainda maior do que parece. “As medidas precisam de tempo para ser totalmente compreendidas”, disse, numa mensagem dirigida aos mercados.

Ao mesmo tempo, contudo, explicou que não ia mais longe em algumas medidas, como reforçar o montante de compras mensal, porque o actual programa estava a funcionar, contribuindo por exemplo para uma dinamização do crédito. “Quero deixar isto claro: estamos agora a fazer mais, porque funciona, não porque está a falhar”.

Outro contributo para a preocupação dos mercados poderá ter estado no facto de, mais uma vez, ter ficado claro que nem todos no BCE são adeptos de uma política agressiva de estímulo monetário. Draghi garantiu que “houve uma larga maioria” a apoiar a decisão, mas teve de reconhecer que “não foi consensual”. E jornais como o Financial Times têm avançado que a oposição a Draghi dentro do banco central, vinda dos dois membros de nacionalidade alemã que fazem parte do conselho - Jens Weidmann e Sabine Lautenschläger – e dos representantes da Estónia, Letónia, Eslovénia e Holanda, é um dos principais motivos para que o BCE não vá mais longe.

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