BCE outra vez forçado a explorar novas fronteiras

Depois de a inflação ter permanecido inalterada nos 0,1%, todas as apostas vão para que o BCE anuncie esta quinta-feira um reforço das suas compras de dívida pública.

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Instituição liderada por Mario Draghi começou em Março a comprar activos FRANCOIS LENOIR/REUTERS

Com a inflação a continuar perigosamente próxima de zero, o Banco Central Europeu (BCE) prepara-se, de acordo com a maioria dos analistas, para dar mais um passo em frente nas medidas de estímulo monetário que irá oferecer à economia da zona euro. O anúncio pode surgir já esta quinta-feira. Mas para que essa iniciativa surta efeito, a autoridade monetária pode, numa repetição daquilo que já aconteceu diversas vezes durante a crise do euro, ver-se forçada a abdicar de mais algumas das regras a que se tinha comprometido.

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O problema está há muito identificado. A retoma económica está a ser feita a um ritmo muito modesto e a taxa de inflação permanece há já vários meses a um nível que fica bastante abaixo da meta auto-estabelecida pelo BCE, de um valor abaixo mas próximo de 2%.

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De acordo com os dados publicados esta quarta-feira pelo Eurostat, a taxa de inflação em Novembro permaneceu em 0,1%.

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Para além de já ter colocado a sua principal taxa de refinanciamento colada a zero e a taxa de depósito (a que os bancos depositam dinheiro no BCE) em terreno negativo, a instituição liderada por Mario Draghi começou no passado mês de Março a realizar compras de activos (incluindo dívida pública) no valor de 60 mil milhões de euros ao mês. O objectivo é reanimar a concessão de crédito à economia, o que pode reforçar o consumo e o investimento, fazendo subir a inflação para valores considerados mais seguros.

O problema é que, passados oito meses desde o início de um programa que é suposto ser concluído em Setembro de 2016, a concessão de crédito está a crescer de forma ainda relativamente modesta e a inflação, com o contributo dos preços do petróleo, continua a um nível que não afasta o risco de entrada em deflação.

O BCE deverá por isso, acreditam os analistas, ir mais longe, com medidas que poderão passar, por exemplo, por um reforço do programa de compra de activos que tem actualmente em vigor.

O pré-anúncio da adopção de novas medidas já foi feito aliás há cerca de um mês e meio atrás por Mario Draghi, no final da última reunião do conselho de governadores do banco central. Nessa altura, o presidente do BCE deixou claro que continua insatisfeito com a persistência de um nível demasiado baixo na inflação e anunciou que se iria proceder nas semanas seguintes ao trabalho técnico que tornaria possível, caso os indicadores económicos assim o exigissem, passar à acção já na reunião de Dezembro. Na linguagem cifrada e prudente habitualmente usada pelos banqueiros centrais, esta preparação técnica foi lida como uma clara sinalização de que o BCE irá passar à acção. Todos os 53 analistas inquiridos pela agência Bloomberg esta semana prevêem que o BCE reforce as suas medidas de estímulo na reunião de governadores agendada para a manhã desta quinta-feira.

A dúvida está em saber exactamente aquilo que Mario Draghi e os outros responsáveis do banco central irão anunciar.

A aposta mais segura passa por um reforço do actual programa de compra de activos. Isso pode ser feito de duas maneiras: aumentando o volume de compras mensais, que actualmente é de 60 mil milhões de euros, e/ou anunciando o compromisso de estender o programa para além de Setembro de 2016.

Ao fazer isto, contudo, o banco central pode ver acentuar-se um problema de ordem prática que já tem actualmente de enfrentar, que é o de conseguir encontrar no mercado activos suficientes para comprar, cumprindo as regras que impôs a si próprio.

Uma das regras exige que o BCE apenas compre títulos cuja taxa implícita seja superior à taxa de depósito que aplica às reservas dos bancos comerciais e que actualmente é de -0,2%. Apesar de esta taxa já ser negativa, a verdade é que em muitos títulos de dívida pública, nomeadamente os alemães até a um prazo de dois anos, as taxas são actualmente ainda mais negativas.

Se juntarmos a isto outras regras, como a de as compras terem de ser feitas na proporção do peso de cada país no capital do BCE ou a do limite de 30% do total de uma série de obrigações, o banco pode ter dificuldades em cumprir as suas as suas metas para o programa, principalmente se elas se tornarem mais ambiciosas.

Por isso, são vários os analistas que antecipam que o BCE, para além do reforço do programa de compras, possa também baixar novamente a taxa de juro dos depósitos e, eventualmente, tornar mais flexíveis as regras que aplica nos programas. Deixar de considerar a taxa de depósito como um limite para os juros dos títulos adquiridos, flexibilizar o peso que cada país tem nas compras efectuadas ou aumentar a percentagem que o BCE pode deter de uma série específica de obrigações.

Um cenário que não pode ser considerado improvável, uma vez que ao longo de toda a crise do euro, o BCE mostrou estar, embora com reticências, disposto a adaptar as suas regras às novas circunstâncias ditadas pela economia.

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