Netflix gaba-se de chegar a 500 milhões de pessoas e deixará de revelar número de assinantes

Empresa terminou primeiro trimestre com 269,6 milhões de subscritores, mais 9,3 milhões do que no fim de 2023, e mais receitas. Mas o seu foco é outro — vai falar mais de dinheiro e menos de clientes.

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A segunda temporada de Squid Game é um dos maiores trunfos da Netflix para 2024 Netflix
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A Netflix continua a líder incontestável do mercado do streaming, somando mais 9,3 milhões de assinantes no primeiro trimestre deste ano para um total de 269,6 milhões de subscritores em todo o mundo, anunciou a empresa esta quinta-feira. E continua na corda bamba da transparência, revelando que depois de vários avanços e recuos na forma como revela a sua versão do que são audiências, vai deixar de tornar público o seu número de clientes e de receitas que acumula por assinante a partir do início de 2025. Ainda assim, pode gabar-se de ter uma audiência de mais de 500 milhões de pessoas.

“Quase 270 milhões de lares em mais de 190 países assinam agora a Netflix. Com mais de duas pessoas por casa, em média, temos uma audiência de mais de meio milhar de milhões de pessoas”, frisa a empresa na sua carta aos investidores. A frase "mais de meio milhar de milhões de pessoas” está a negrito. E essas, ou pelo menos parte delas, poderão ver as segundas temporadas de Squid Game (a série mais vista de sempre do serviço) e de O Agente da Noite na segunda metade deste ano. Ryan Murphy também terá a sua nova série, dentro da antologia Monstro, sobre os irmãos Menendez, na mesma altura, além da despedida de Cobra Kai.

Ayrton Senna vai voltar a correr nos ecrãs na série biográfica Senna também no segundo semestre de 2024, anunciou a empresa na sua entrevista com analistas que se seguiu à apresentação dos resultados. A porta continua aberta a títulos de outras plataformas ou estúdios, como tem feito com a HBO ou com o sucesso de Suits, mas dentro do orçamento, disse Ted Sarandos, co-CEO da empresa.

Ainda só representa menos de 10% do visionamento de televisão em todos os países, por isso o serviço de streaming sente que só pode crescer, aproximando-se paradoxalmente dos seus concorrente e antepassados: televisão em directo em eventos exclusivos de comédia, concursos, o muito valioso desporto ou a música, e criar o que a imprensa chamou e a empresa orgulhosamente assimilou de “Efeito Netflix” — os velhos tempos colectivos de ver um programa ou filme e falar sobre ele quase em simultâneo, mas também ressuscitar vendas de livros, músicas dos anos 1980 ou criar modas turísticas.

Na sua primeira apresentação trimestral de resultados de 2024, a empresa mostrou números que superaram as expectativas e que parecem comprovar o sucesso da sua estratégia no último ano: combater a partilha abusiva de contas, somando assim novos assinantes ao converter utilizadores de contas alheias em novos subscritores, e arrecadar mais dinheiro não só com isso mas também com a introdução de modalidades de assinatura mais baratas que incluem publicidade.

Sem novidades continua Portugal, que se sabe que mais cedo ou mais tarde será abrangido pela introdução de anúncios e pela concomitante eliminação da assinatura mais barata actualmente em vigor, a Básica, mas que não é mencionado neste balanço dos últimos meses nem na previsão do que será o próximo ano. A expansão da inclusão de publicidade para todos os mercados, nomeadamente europeus, já foi admitida pela empresa, mas para já está em vigor apenas em 11 países, segundo os dados mais recentes.

Griselda, O Problema dos 3 Corpos e companhia

Claro que a força do seu catálogo de início de ano contribuiu para os bons números — e receitas, que representaram 9,3 mil milhões dólares (8,7 mil milhões de euros) e um crescimento de quase 15% em relação ao ano anterior. Ele incluiu, como elenca a carta aos investidores e accionistas, as séries Griselda (66,4 milhões de visionamentos), O Problema dos 3 Corpos (39,7 milhões de visionamentos), Avatar: The Last Airbender (63,8 milhões de visionamentos), programação da vida real como a sexta temporada de Love Is Blind (20 milhões), documentários sobre crimes reais como American Nightmare (50,2 milhões de visionamentos) e eventos de comédia como Dave Chappelle: The Dreamer (18,4 milhões) ou Ricky Gervais: Armageddon (12,7 milhões de visionamentos).

A empresa norte-americana não esquece Berlin, o spin off de La Casa de Papel, que teve 56,7 milhões de visionamentos, ou a britânica One Day, recentíssimo sucesso Netflix que obteve 36 milhões de visionamentos. O documentário sobre como se gravou a música We are the world teve 23,6 milhões de visionamentos e o filme Damsel 123,9 milhões. Todos estes números são contas feitas aos primeiros três meses de presença na plataforma e um “visionamento” é definido pelo número de horas consumidas dividido pela duração de cada título.

Perante isto, a Netflix vai voltar a fechar-se em copas pouco depois de ter anunciado com pompa no ano passado que passará a dar dados semestrais mais detalhados sobre os títulos mais vistos na sua biblioteca. As suas prioridades agora são “mais e melhores programas de TV e filmes, uma lista de jogos mais forte e uma programação ao vivo imperdível”, criar mais conversa à volta dos seus títulos “alimentando o 'fandom' [o culto em torno de ser fã, numa tradução livre] e o Efeito Netflix”, mas sobretudo “explorar fontes adicionais de receita e lucro”, especialmente a publicidade para que esta possa ser mais significativa nas contas da empresa em 2025.

No primeiro trimestre deste ano, o número de contas com publicidade cresceu 65%, e em cada mercado onde já há esta modalidade ela representa cerca de 40% das assinaturas Netflix. O facto de ser sublinhado a cada página da missiva aos investidores que o foco é obter receitas cria o caminho para a plataforma anunciar que, se no início do seu negócio “o crescimento das assinaturas era um forte indicador” do seu potencial, agora considera que está a gerar “lucros muito substanciais” e por isso “na apresentação de resultados do primeiro trimestre de 2025” vai “parar de reportar os números de assinantes por trimestre”.

Com todas as mudanças que tem feito (negando durante anos abandonar o modelo de binge-watching ou de introdução de publicidade para agora se aproximar cada vez mais do modelo de negócio dos anúncios da televisão linear e experimentando as águas dos eventos em directo e das estreias parceladas), a empresa considera que “o crescimento do número de assinantes é apenas uma componente” dos seus indicadores de crescimento.

É, como titula a revista Hollywood Reporter numa análise esta quinta-feira, “o fim de uma era nas guerras do streaming” que têm sido o motor de grande parte do sector do entretenimento a nível mundial. O analista Paolo Pescatore, da PP Foresight, disse à Bloomberg esta quinta-feira que esta decisão “não vai cair bem” no mercado. Na bolsa de Nova Iorque, apesar dos bons números anunciados, o preço das acções da Netflix caiu 7,4% a certa altura.

Haverá dados. Regionais, mais financeiros e anúncios de monta quanto a “marcos” em números de assinantes. Na Netflix sublinham que ainda assim fornecem mais informação do que os seus concorrentes — o que, sendo essa informação escassa ou de difícil tradução para as métricas convencionais de décadas de negócio de cinema e televisão, é verdade no mercado do streaming.

Para os próximos três meses, a Netflix prevê continuar a crescer, mas não tanto. Este foi o melhor início de ano da empresa desde 2020, o célebre ano da pandemia que depois levou à montanha-russa da valorização explosiva das empresas de streaming nos mercados bolsistas e à descida vertiginosa que causou a perda de assinantes da Netflix pela primeira vez em mais de uma década.

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