Num scroll distraído pelas redes sociais, deparo-me com a declaração de um actor português de novelas: que os homens da sua geração —​ é jovem como os jovens agricultores, tem 40 anos —, vivem numa angústia porque têm de ser bons pais e bons maridos, enfim, um enorme "peso às costas", define. O quê? Comento com amigos: não têm os homens de todas as gerações a obrigação de serem bons pais e bons maridos? Não é assim com a nossa geração? Não foi assim com a geração dos nossos pais? Não eram os nossos avós bons pais e bons maridos? Então, o que se passa com estas gerações para as quais tudo é uma angústia?

Num segundo momento, reflecti que o que espelha a opinião do actor é um sentimento perigoso que se começou a generalizar entre jovens realmente jovens, com metade da sua idade, e que começam a verbalizá-lo sem pudor, que isto da igualdade de géneros é uma coisa "angustiante" para os homens, que elas não podem ganhar mais do que eles, como conta Carmen Garcia, depois de estar com alunos numa escola. Já não se pode ser homem nos dias de hoje porque as mulheres querem ser iguais. É assumido que as mulheres têm todo o "peso às costas" e são sempre boas mães e boas mulheres, além de boas trabalhadoras e nada disto é angustiante para eles. É até banal. Agora, pedir-lhes que partilhem tarefas, que tratem com igual respeito as colegas de trabalho, que estas possam ganhar o mesmo que eles, que vão buscar os miúdos à escola, que façam o jantar, que ouçam a sua companheira, em suma, que sejam bons maridos e bons pais... epá, isso causa-lhes "angústia". Claro que há excepções, como mostram Ana e Isabel Stilwell que assinalaram, bem, o Dia do Pai.

Já a nós, mulheres, que como se sabe continuamos a despender mais tempo semanal em trabalho doméstico e cuidado dos filhos do que os pais, nada nos angustia, pelo contrário. Por isso, como tudo se espera de nós, andámos praticamente dois meses a alimentar especulações e teorias sobre onde estava Kate, a princesa de Gales — e, espera-se, futura rainha do Reino Unido , depois de ter feito uma cirurgia abdominal, em Janeiro. Porque tudo se espera de Kate, afinal, conforme escrevia no início deste mês a cronista Monica Hesse, do The Washington Post, sempre que teve um filho, a então duquesa aparecia em público, horas depois do parto, de pé, direita, bonita e com a criança ao colo. Quem teve filhos, como eu e tantas leitoras, sabe a dificuldade que é pormo-nos direitas nos dias seguintes, quanto mais horas depois. Mas Kate mostrou sempre ao mundo que, aparentemente, a maternidade é fácil — um péssimo serviço às mães e a ela própria.

Curiosamente, nessas ocasiões, Kate apareceu sempre com o marido ao lado, o pai das crianças. Agora, no anúncio de que está doente e a fazer quimioterapia, a princesa aparece sentada num banco de jardim sozinha. Coube-lhe também declarar, a solo, já doente (como agora se sabe), que uma fotografia captada por William foi editada por ela — a tal em que aparece com os três filhos, apresentada para assinalar o Dia da Mãe, que os britânicos celebram três domingos antes da Páscoa (e apaziguar os teóricos da conspiração). Fotografia essa que levou as agências de notícias a analisar as imagens que a família real tem divulgado, nos últimos anos, e a mostrar que havia pelo menos outra, da autoria de Kate que também tinha sido editada, uma com Isabel II com os netos e bisnetos. A verdade é que a edição de imagem não é uma novidade para a casa real, vem desde o tempo da rainha Vitória.

Kate sozinha a dizer ao mundo que editava fotografias, Kate sozinha a dizer ao mundo que está doente. Certamente que William estará angustiado, subjugado com o peso de ter de ser bom pai e bom marido, ainda por cima, de uma mulher doente, e continuar a trabalhar. Já Kate terá de ter força e resiliência para se manter viva, por ela, pelos filhos, pela "firma" — designação por que também é conhecida a família real britânica —, e pelo país — que tanto espera da futura rainha. As reacções, da maioria dos homens  do rei, que também está com cancro (e que tal como Kate não se sabe qual), aos primeiros-ministros dos vários estados que fazem parte da Commonwealth, ao cunhado, passando pela Casa Branca — é que Kate é corajosa.

E eu não consigo imaginar o que sente uma mulher que se confronta com a fragilidade de ser mortal e a possibilidade de não ver os filhos crescer. Até que ponto está a ser protegida de um mundo ávido por saber dela? Sabemos como esta curiosidade pode matar, como se viu com a sogra, a princesa Diana, em 1997. A Inês Duarte de Freitas passou por Londres a convite da Swatch e dos museus Tate — e, na quarta-feira, quando ainda não se sabia do diagnóstico da princesa, esteve à conversa com turistas e residentes da cidade. "Toda a gente tem problemas de saúde. Estamos a dar demasiada importância a isto. Se tivesse feito uma cirurgia pessoal, ia anunciá-la no seu jornal?", pergunta Nigel Craig, um engenheiro reformado, à jornalista, defendendo o direito à privacidade.

Há escolhas que têm de ser feitas e cabe a cada um de nós fazê-las, de modo a que se reflictam na nossa saúde e no nosso bem-estar, defende a psicóloga clínica e professora universitária Margarida Gaspar de Matos, que deu início a uma colecção de livros práticos sobre a terapia da aceitação e do compromisso (ACT, na sigla inglesa), do investigador norte-americano Steven C. Hayes, que tem como propósito ajudar a pessoa a ter maior consciência das suas emoções e pensamentos, de maneira a ser capaz de reagir de acordo com os seus valores. ​

A especialista convida-nos à serendipidade, a vivermos o momento presente, não estarmos focados no passado nem a ansiar pelo futuro, mas a guardarmos as pequenas coisas que nos fazem felizes e essas, se pensarmos bem, podem ser muitas, desde um simples passeio à beira-rio ao riso que partilhamos com amigos, num final de tarde. Temos de "aprender a usufruir". E propõe: "Tantas vezes ficamos a ruminar numa coisa que não conseguimos resolver, aquela coisa dá cabo da nossa vida para sempre. Aceitar não é perdoar, é dizer 'pronto, é assim, agora vou passar a outra coisa'. Temos de tirar às coisas o poder de nos martirizarem."

Mas, às vezes, só nos apetece voltar à infância, fazer uma birra e queixinhas. Ana Lázaro reflecte sobre a impossibilidade de nos comportarmos como miúdos, de não podermos chorar, de não podermos sentir com a mesma intensidade. "Na verdade o que seria, se víssemos homens e mulheres adultos a desatarem numa chinfrineira de lágrimas e berraria, a contraírem a cara num pranto, só porque alguém lhes passou à frente na fila, porque lhes entornaram o sumo, porque caiu o gelado ao chão? O pior é quando dentro do corpo de adulto está barricado um bebé que desata numa choradeira."

Procuremos, por isso, a felicidade! Esta semana assinalou-se o Dia Internacional da Felicidade e ficámos a saber que os finlandeses continuam a ser os mais felizes e que Portugal está em 55.º em 143 países. Na sua crónica quinzenal, Madalena Sá Fernandes enumera as coisas que a fazem feliz: "O início do Perna de Pau. As moedas dentro dos tubinhos dos rolos das fotografias. O fim do Cornetto. As rosas de Lego. Descalçar os sapatos de salto. O início do Moby Dick. Levar as uvas na Primeira Comunhão. O fim do Ulysses. O molho das amêijoas. Um cão ao meu colo. A primeira onda de pé. Jogar Tetris. Calcar a terra molhada."

Boa semana!