Ser pai não é um posto, é um lugar que se merece

Não basta, nem a um pai, nem a uma mãe, gerar ou “parir” uma criança, é preciso muito mais do que isso para se ser pai e mãe a sério.

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"Acredito que seja difícil para os homens de hoje saberem como devem ser pais" EDUARDO MOSER/SANDRADESIGN
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Querida Ana,

A escolha do dia de São José para celebrar o Dia do Pai é um dos momentos iluminados da Igreja. Celebrar o pai no dia do mais famoso padrasto da história da humanidade é dizer claramente que o que define um bom pai não é necessariamente o sangue, mas o afeto e o cuidado, a proteção e a segurança que dá ao bebé, à criança, ao homem ou mulher em que aquela criatura se vai tornar.

O juiz conselheiro Laborinho Lúcio disse-me, numa entrevista, que a maior bênção que uma criança pode receber é a de ser adotada pelo seu próprio pai biológico — o que ele queria dizer, com a sua extraordinária experiência na defesa dos direitos dos mais pequeninos, é que um pai de sangue tem de assumir aquele filho como seu. Que não basta, nem a um pai, nem a uma mãe, gerar ou “parir” uma criança, é preciso muito mais do que isso para se ser pai e mãe a sério.

Sabes, Ana, há anos que defendo que se as salas de audiência dos tribunais de família tivessem na parede uma imagem de São José se calhar as decisões de libertar uma criança para adoção, em lugar de a deixar queimar a sua infância numa instituição na esperança de fazer prevalecer o primado do ADN, seriam bem mais rápidas e corajosas. Porque o resumo de tudo o que aqui escrevi é basicamente esse ser pai não é um posto, é um lugar que se merece. E que se trabalha todos os dias para assegurar.

Que sorte temos em ter tão bons pais e padrastos na nossa vida

Beijos


Querida Mãe,

Que bonita carta a sua. Concordo em absoluto, até porque tenho a sorte de ter um pai verdadeiro E um padrasto-pai também.

Acho que neste Dia do Pai devíamos dedicar especial atenção a esta ideia do que é ser pai. Não bastando oferecer o material genético, o que se espera dos pais de hoje?

É que durante séculos a forma de assumir esse lugar de pai implicava, acima de tudo, providenciar segurança financeira e física, representar a autoridade, mas o modelo já não nos parece servir, e corremos mesmo o risco de o diabolizar — consigo compreender de onde vem esta raiva, mas tenho andado a pensar em como é estúpido perdermos tanto tempo a polarizar tudo.

Ou seja, acredito que seja difícil para os homens de hoje saberem como devem ser pais. Por um lado, é-lhes exigido que continuem a garantir a segurança financeira, por outro, queremos que estejam envolvidos nas decisões do dia-a-dia, mas depois também reivindicamos, enquanto mães, o direito à última palavra.

Queremos que sejam uma referência equivalente à nossa na vida dos nossos filhos, e gozamos com eles por não saberem os nomes dos professores, dos melhores amigos ou em que ano os filhos tiveram varicela, mas ao mesmo tempo não abrimos mão de sermos as CEO’s que controlam, e sabem de tudo, a toda hora.

Mãe, voltemos ao início, o que é ser um bom pai?

É preciso que seja o tal elemento forte e masculino da psicanálise, que age como aquele que separa o filho da mãe, que apresenta a autoridade, o mais racional? Ou, afastando-nos desses estereótipos, é ser um pai ultra conectado com os filhos e com as suas emoções?

Aparentemente os estudos mostram que há vários benefícios em ter um pai envolvido. Kyle Pruett, psiquiatra infantil da Universidade de Yale, afirma que crianças sem pais atentos têm três vezes mais probabilidade de passarem pelo sistema de justiça antes dos 18 anos. E afirma que ter dois estilos de parentalidade oferece às crianças um reportório maior de resolução de problemas, e menos estereótipos associados ao género. Por exemplo, quando são cuidados/nutridos pelo pai, aprendem que um pai também pode ser cuidador. Ressalva que não há evidência científica de que seja preciso que sejam de sexo diferente, mas sublinha que a criança beneficia em ter dois modelos diferentes de cuidar, amar e ajudar a crescer. Ou seja, o contraditório faz muita falta para tudo.

Por isso deixemo-nos das guerras entre os sexos e de pré-escrever guiões para a parentalidade, e deixemos que cada casal descubra o que de melhor de si pode trazer à sua família. Não embarquemos na ideia de que pais e mães têm de ser idênticos, ou que ambos têm de educar da mesma forma, em nome de uma sacrossanta coerência. Foquemo-nos mais em respeitar, valorizar e apoiar o nosso parceiro/a e menos tempo a tentar ganhar uma medalha na corrida da parentalidade. Acho que ficamos todos a ganhar com isso.


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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