Vice-presidentes do Partido Conservador demitem-se para apoiar alterações à lei do Governo sobre imigração

Facção radical dos conservadores quer que a proposta de lei do executivo britânico para enviar migrantes para o Ruanda ignore obrigações do Reino Unido ao abrigo do direito humanitário internacional.

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Rishi Sunak, primeiro-ministro do Reino Unido, promete restringir a imigração, mas a ala radical do seu partido quer lei mais dura Reuters/POOL
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Lee Anderson e Brendan Clarke-Smith renunciaram esta terça-feira aos cargos de vice-presidentes do Partido Conservador para poderem apoiar alterações à proposta de lei do Governo de Rishi Sunak para enviar para o Ruanda os migrantes e requerentes de asilo que entrem no Reino Unido de forma irregular.

Jane Stevenson, que ocupava um cargo governativo no Ministério do Comércio, da Energia e da Estratégia Industrial, também apresentou a demissão.

A demissão dos dois “vices” do partido, que são deputados, teve lugar pouco antes de a Câmara dos Comuns votar uma série de emendas à legislação, que se encontra na fase da chamada “segunda leitura” do processo legislativo, e é um duro golpe na autoridade interna do primeiro-ministro tory.

Uma fonte em Downing Street disse à BBC que Sunak aceitou os pedidos de demissão e que agradeceu aos dois dirigentes pela sua “dedicação e trabalho árduo”.

Apresentada por William Cash, um veterano deputado conservador eurocéptico e brexiteer, uma das emendas que foi a votos pretendia desobrigar o Governo britânico dos compromissos assumidos ao abrigo das leis e tratados humanitários internacionais.

Outra, da autoria do ex-secretário de Estado da Imigração, Robert Jenrick, que se demitiu em Dezembro, com críticas a Sunak e à lei do Ruanda, tinha como fim proibir que os requerentes de asilo de usarem o sistema judicial britânico para travar a sua deportação para o país africano.

Ambas as emendas foram chumbadas pela maioria dos representantes da câmara baixa do Parlamento de Westminster, mas a primeira recebeu o apoio de 68 deputados e a segunda de 58 – “rebeliões” que atestam as dificuldades de Sunak em lidar com a ala mais radical do Partido Conservador, que conta com o apoio de figuras importantes do partido como o antigo primeiro-ministro Boris Johnson ou a ex-ministra do Interior Suella Braverman.

É expectável que na quarta-feira haja uma votação sobre a legislação como um todo, com as emendas que forem aprovadas esta terça-feira. O volume da “rebelião” da bancada conservadora nessa votação ditará se Sunak tem condições para continuar a liderar o partido e o Governo, num ano em que deve haver eleições legislativas – a data limite para a sua realização é Janeiro de 2025, mas o primeiro-ministro tory já sugeriu que as deve convocar para “a segunda metade” deste ano.

Segundo a mais recente sondagem da YouGov, para o Telegraph, divulgada no domingo, o Partido Conservador arrisca-se seriamente a perder quase 200 deputados.

Aprovada na generalidade, no final do ano passado, legislação do Governo britânico pretende ultrapassar uma decisão do Supremo Tribunal, anunciada em Novembro, que declarou que enviar para o Ruanda os migrantes que cheguem ao Reino Unido por vias irregulares, nomeadamente através do canal da Mancha, é ilegal.

O Supremo identificou “defeitos graves e sistemáticos nos procedimentos e nas instituições” que tratam dos pedidos de asilo ruandês e disse que “os requerentes de asilo ficarão em risco de serem devolvidos, directa ou indirectamente, aos seus países de origem”, onde podem ser alvo de perseguição.

Sunak respondeu, no primeiro momento, fechando um novo tratado com as autoridades ruandesas e, num segundo momento, apresentando esta proposta de lei que, entre outras disposições, declara o Ruanda um “país seguro”. E justificou não ter avançado para uma lei mais dura com a recusa do Governo ruandês em fazer parte de uma iniciativa que não respeitasse o direito internacional.

Não obstante, a lei também pretende dar poderes aos ministros britânicos para ignorarem decisões urgentes do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos destinadas a suspender, temporariamente, a transferência de migrantes, e permitir que os tribunais nacionais ignorem algumas leis internas e internacionais – como a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados – que travem essas mesmas transferências.

Representante da facção de deputados conservadores que foram eleitos, nas últimas legislativas (2019) nos antigos bastiões operários no Norte e Centro de Inglaterra, que, tradicionalmente, votavam no Partido Trabalhista, e autor do seu próprio programa televisivo, na GB News, Lee Anderson já vinha causando várias dores de cabeça ao primeiro-ministro.

Antes de ser nomeado vice-presidente, em Fevereiro do ano passado, chegou a defender o regresso da pena de morte ao Reino Unido e a dizer que a solução para o aumento do número de travessias no canal da Mancha era “mandá-los de volta” para França.

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