O extremismo patrocinado por streams

Nesta que é a era do consumo digital instântaneo, plataformas como o YouTube e a Twitch e os seus criadores de conteúdo têm de ser responsabilizados pela formação de valores do seu público.

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Aproximam-se eleições legislativas e o cenário não podia ser mais sério: a ascensão da extrema-direita e um crescimento exponencial de um discurso fascizante que vai ocupando as sombras que, 50 anos volvidos, nos voltam a atormentar. Os jovens não são impermeáveis a este tipo de discurso, e são directamente interpelados por ele através de grandes plataformas digitais e influenciadores.

Em plataformas como o YouTube e a Twitch, o holofote é dado, em grande parte, aos influenciadores com uma mentalidade muito particular. No contexto português, vêem-se grandes massas de apoio a influenciadores e criadores de conteúdo como Numeiro, Windoh, Tiago Paiva ou Tiagovski.

Todos estes acumulam vários casos que, num todo, são preocupantes pela sua génese. Se alguns destes já publicitaram sites de apostas ilegais nos seus vídeos, outros — como o Windoh — construíram um “curso” sobre criptomoedas que hoje é investigado pelo Ministério Público. Tiago Paiva, por outro lado, ganhou atenção pelo comportamento execrável que adoptou no Parlamento e pela sua intervenção dentro da casa da democracia.

No geral, todos estes influenciadores, para além destas preocupantes questões, também têm outra coisa em comum: um bacoco discurso empreendedor, muito enraizado numa ideia de meritocracia e de enriquecimento rápido, e de um homem alfa (dominante, financeiramente bem sucedido e hiper-racional).

Recuperando muitos dos ideais de pessoas como Andrew Tate, que também acumula muitas e graves acusações criminais, estes influenciadores constroem uma imagem que cada vez mais ressoa a um público mais jovem.

Este discurso é alarmante por dois factores. Um primeiro factor ligado à sociedade do futuro e aquilo que hoje se constrói na cabeça de cada consumidor. Sabemos hoje mais que nunca que a perpetuação de estereótipos de género, de discriminação sexual, e de uma ideia de meritocracia irrealista e individualizada podem contribuir para uma perversão dos valores de crianças e adolescentes, o seu público.

Pode suscitar sentimentos de inadequação, de fraca auto-estima e de ambições descabidas baseadas em puro marketing, e, inclusive, de exclusão daqueles considerados não correspondentes aos preconceitos promovidos constantemente nos vídeos daqueles criadores de conteúdo. No fundo, estes canais acabam por criar jovens complacentes com as mais absurdas ideias, tanto para eles próprios como nas suas relações com os outros.

Um segundo factor liga-se àqueles que, pertencendo à Geração Z, já podem exercer o seu direito ao voto. Estes valores misóginos e falsos empreendedores são políticos, mesmo que muitas vezes não o proclamem directamente (o que não se aplica a Windoh e Tiago Paiva que foram convidados directamente pela Iniciativa Liberal para ir ao Parlamento e aceitaram, nem a Tiagovski que mais recentemente declarou na rede social Threads o seu apoio ao Chega).

E, sendo valores políticos, são ideologicamente indissociáveis de um sentido de voto encostado à direita liberal e à extrema-direita, que se alimentam destes discursos e os capitalizam. Secções políticas como as do Chega ganharam a “guerra” cultural das redes sociais, e todos os influenciadores que propagam os valores aqui mencionados contribuem activamente para a normalização destas figuras, dentro e fora de Portugal.

Os patrocinadores ajudam também à "plataformização" destes influenciadores, garantindo o seu lugar de destaque e a reprodução do seu discurso. Os casinos de apostas online, por exemplo, são fonte de rendimento para grande parte dos YouTubers, mas não a única.

Ao lado destas empresas, o patrocínio de marcas como a Prozis também é constante. Recordando, a Prozis é presidida por Miguel Milhão, conhecido pelas suas posições antiaborto que lhe custaram 11 embaixadores em 2022, e assumido admirador de André Ventura e do seu partido, convidando-o até para o seu novo podcast.

Constitui-se assim uma teia de interesses monetários fortes, que se condensam numa transmissão de valores perigosos. E tudo isto assume a forma de um voto, que dia 10 de Março escolherá a composição parlamentar do país. Sabemos que é necessário atentar ao consumo de informação online, mas é igualmente preciso rever o que transmitem os influenciadores a quem damos plataforma no nosso consumo digital.

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