Conflito na Ucrânia continua a ameaçar educação de crianças e jovens, diz a Amnistia Internacional

Relatório reúne testemunhos recolhidos em comunidades que já foram ou permanecem ocupadas. São relatadas ameaças físicas a professores e há pais a interromper os estudos das crianças por segurança.

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As estações de metro ucranianas servem de sala de aula, para evitar os ataques aéreos. Já foram destruídos mais de 3000 estabelecimentos de ensino desde Fevereiro de 2022, segundo a HRW Reuters/STRINGER
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“As pessoas que vivem sob ocupação russa correm o risco de sofrer várias retaliações por continuarem a estudar em solo ucraniano”, afirmou a Amnistia Internacional, num relatório de investigação divulgado esta terça-feira e que espelha a interrupção da educação no país. A intimidação nos territórios ocupados pela ofensiva russa, a tentativa de pressão para adoptar o currículo russo e a coerção de professores e crianças que frequentam a escola de forma clandestina são os principais problemas retratados.

A Amnistia Internacional reuniu testemunhos de profissionais da área da educação e de mais de uma dezena de famílias cujas crianças com idade escolar pertencem às regiões de Kiev, Kharkiv, Zaporijjia, Kherson, Mikolaiv e Odessa. Para além das adversidades a nível escolar, o documento dá conta de ameaças e agressões físicas a professores, assim como desaparecimentos forçados. São ainda mencionadas alterações impostas aos planos de estudos, com um conjunto de livros de história introduzidos pelas autoridades russas nas regiões ocupadas. Mesmo após o início da ocupação, “pais e professores continuam a tentar estruturar os planos de ensino de acordo com o currículo ucraniano”.

As escolas reabriram sem pessoal qualificado, ou em número suficiente para cobrir todas as aulas, depois de vários professores terem abandonado o ensino após terem recebido mensagens dos dirigentes das respectivas escolas para que leccionassem o currículo russo no regresso ao trabalho.

O relatório apresenta o testemunho de uma bibliotecária que refere ter de “marcar encontros secretos com os alunos para lhes dar livros” por causa das patrulhas militares russas na aldeia onde vive. Em Mikolaiv, no sul da Ucrânia, a maioria das escolas “suspendeu totalmente o processo educacional”, depois da ocupação das tropas russas durante os meses de Março a Novembro do ano passado, como contou à Amnistia a directora do Departamento de Educação e Ciência da Administração, Alla Vylykhovskaya. A responsável relatou que os pais e alunos que tentaram continuar a ter acesso à educação “faziam buracos nos jardins para esconder os computadores portáteis e telemóveis”, lê-se no documento.

Em Berdyansk, outra das comunidades ocupadas na região de Zaporijjia, o cenário não se altera. Um dos professores entrevistados pela Amnistia deixou o território em Julho do ano passado, mas continua a dar aulas online aos alunos que permanecem na comunidade. O documento chama a atenção para outras formas de intimidação aos pais e crianças, entre as quais “ameaças de privação dos direitos parentais, com os filhos a serem encaminhados para instituições, ou para adopção na Rússia, por não os matricularem nas escolas reabertas”.

O direito internacional prevê o direito à educação em tempos de guerra, cabendo à potência ocupante assegurar o “bom funcionamento das instituições consagradas aos cuidados e educação das crianças”, como explanado no artigo 50.º da IV Convenção de Genebra. Desde Fevereiro de 2022, mais de 3790 instalações educativas foram danificadas ou destruídas, de acordo com um relatório da Human Rights Watch que dá conta dos danos nas escolas e creches ucranianas nos primeiros meses de combate.

Em Agosto, a UNICEF já tinha alertado para a situação escolar das crianças ucranianas, perante “sinais de perda generalizada de aprendizagem”. De acordo com os dados mais recentes da organização, apenas um terço das crianças em idade primária e secundária matriculadas aprendem totalmente de forma presencial. Já um terço dos alunos matriculados aprendem através de uma abordagem mista, sendo que um terço fica totalmente online.

Texto editado por Paulo Narigão Reis

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