Prémio Camões 2022 entregue a Silviano Santiago esta terça-feira

Cerimónia relativa ao prémio do ano passado aconteceu na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Ao ensaísta e romancista brasileiro seguiu-se este ano o ensaísta e tradutor português João Barrento.

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Ensaísta e poeta brasileiro Silviano Santiago GAILLARDE/REGLAIN/GAMMA-RAPHO/GETTY IMAGES

O poeta e ensaísta brasileiro Silviano Santiago reivindicou esta terça-feira uma língua portuguesa multiétnica e previu "choques sísmicos duradouros" na literatura, ao receber o Prémio Camões numa cerimónia no Rio de Janeiro.

"Chegou a hora de liberar a literatura brasileira para as águas amazónicas, as águas atlânticas africanas e todas as correntes da diáspora", declarou o vencedor do mais importante prémio literário de língua portuguesa.

O autor escolhido como vencedor do prémio em 2022 referiu-se em termos metafóricos à história violenta do Brasil e afirmou que "navios multiétnicos não atracavam em Porto Seguro", local onde os portugueses pisaram em terra brasileira pela primeira vez em 1500.

"As tripulações amazónicas, atlânticas e mediterrânicas só receberam autorização para transitar como cidadãos sob os cuidados de etnógrafos nacionais e estrangeiros ou sob a bandeira menor e suplementar do património folclórico", disse o escritor.

Agora, porém, Santiago afirmou que os navios da língua viajam "livremente pelas águas democráticas" que se abriram após a pandemia e a derrota do ex-presidente brasileiro de extrema-direita Jair Bolsonaro, cujo nome não mencionou, mas sobrevoou a cerimónia.

Na mesma linha de Santiago, a ministra brasileira da Cultura, Margareth Menezes, apoiou uma visão diversificada e multicultural da língua e destacou a importância de premiar escritores africanos, como a moçambicana Paulina Chiziane, vencedora do prémio em 2021.

A cerimónia de entrega também foi palco de declarações a favor da cooperação cultural entre Brasil e Portugal que passaram por momentos baixos durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).

"Estas celebrações são uma forma de assinalar simbolicamente o regresso do Brasil a uma fraternidade comprometida com os países de língua portuguesa", afirmou o ministro português da Cultura, Pedro Adão e Silva, numa mensagem gravada em vídeo.

O prémio de 2022 foi anunciado no final de Outubro do ano passado, tendo desde então já sido revelado o vencedor de 2023, que é o ensaísta e tradutor português João Barrento.

"Silviano Santiago, além de escritor com uma obra literária com vários prémios nacionais e internacionais (Jabuti, Oceanos, etc.), é um pensador capaz de uma intervenção cívica e cultural de grande relevância, com um contributo notável para a projecção da língua portuguesa como língua do pensamento crítico, no Brasil e fora dele (nos países ibero-americanos, africanos, nos Estados Unidos e na Europa)", indicou o júri da 34.ª edição do Prémio Camões, citado, na altura, pelo comunicado do Ministério português da Cultura.

Ensaísta, romancista e contista, Silviano Santiago nasceu em 1936, em Formiga, Minas Gerais, Brasil. Doutorado em Letras Francesas pela Universidade de Sorbonne, de Paris, em 1968, com uma tese sobre Os Moedeiros Falsos, de André Gide, a biografia divulgada pelo Prémio Camões identifica-o igualmente como bacharel em Letras Neolatinas pela Universidade Federal de Minas Gerais (1959), com especialização em Literatura Francesa, como bolseiro do Centre d'Études Supérieures de Français, no Rio de Janeiro, entre 1960 e 1961.

Silviano Santiago recebeu, entre outros prémios, o Jabuti em 2017, o Prémio Oceanos em 2015, com o romance Mil Rosas Roubadas, e o segundo lugar do Prémio Oceanos, em 2017, com Machado, sobre Machado de Assis.

O júri da 34.ª edição do Prémio Camões foi constituído pelos professores universitários portugueses Abel Barros Baptista e Ana Maria Martinho, da Universidade Nova de Lisboa, a são-tomense Inocência Mata, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, os brasileiros Jorge Alves de Lima, membro da Academia Paulista de História e da Academia Campinense de Letras, e membro do Conselho Científico do Centro de Memória da Unicamp, que presidiu ao júri, Raúl Cesar Gouveia Fernandes, do Departamento de Ciências Sociais e Jurídicas do Centro Universitário FEI, em São Bernardo do Campo, e a moçambicana Teresa Manjate, docente e investigadora na Universidade Eduardo Mondlane.

O Prémio Camões de literatura em língua portuguesa foi instituído por Portugal e pelo Brasil, com o objectivo de distinguir um autor "cuja obra contribua para a projecção e reconhecimento do património literário e cultural da língua comum".

Segundo o texto do protocolo constituinte, assinado em Brasília, em 22 de Junho de 1988, e publicado em Novembro do mesmo ano, o prémio consagra anualmente "um autor de língua portuguesa que, pelo valor intrínseco da sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum".

Foi atribuído pela primeira vez, em 1989, ao escritor Miguel Torga.

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