Katherine Maher, ex-líder da dona da Wikipedia, assume comando na Web Summit

Sucessão de Paddy Cosgrave, que deixa a presidência para travar a polémica em torno do que disse sobre os ataques de Israel contra Gaza, abre novo ciclo na conferência que volta a Lisboa em Novembro.

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Katherine Maher também já passou pelo palco da Web Summit em edições anteriores enquanto liderava a Wikimedia, a fundação que é dona da Wikipedia FRANCISCO ROMÃO PEREIRA (arquivo)
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Katherine Maher é a nova presidente executiva (CEO) da Web Summit, a conferência tecnológica que este ano se realiza uns dias mais tarde do que o habitual, entre 13 e 17 de Novembro. Antiga CEO da Wikimedia, a fundação que é dona da Wikipedia, Maher vai substituir Paddy Cosgrave na liderança da empresa que acabou de mudar o seu quartel-general em Lisboa para novas instalações e este ano estreou a Web Summit no Brasil e anunciou a expansão desta conferência tecnológica para o mundo árabe, com uma primeira edição em Doha (Qatar), em Fevereiro de 2024.

“Se estão a ler isto, estão certamente conscientes de que nas últimas semanas a Web Summit esteve no centro de um debate em vez de ser um anfitrião. O seu propósito foi ultrapassado pelos comentários pessoais do seu fundador e agora ex-CEO, Paddy Cosgrave. Paddy pediu desculpa e abandonou a Web Summit”, resume Katherine Maher, numa mensagem por escrito publicada nesta segunda-feira no blogue da própria Web Summit.

Cosgrave, de 41 anos, viu-se acossado pela pressão de Israel, de algumas importantes empresas tecnológicas e mesmo de investidores que ficaram desagradados com mensagens que o empresário irlandês publicou na rede social X avaliando o que se estava a passar na guerra entre Israel e o Hamas, depois do ataque mortífero desta organização a 7 de Outubro passado.

“Estou chocado com a retórica e as acções de tantos líderes e governos ocidentais (…) Crimes de guerra são crimes de guerra, mesmo quando são cometidos por aliados, e devem ser nomeados enquanto tal”, escreveu Cosgrave, a 13 de Outubro, na sua conta pessoal da rede X, onde sempre manifestou opiniões políticas, na maioria das vezes sobre a política na Irlanda, mas por vezes também sobre acontecimentos de alcance mundial.

Desta vez, o tiro saiu-lhe pela culatra e o empresário, que ajudou a fundar a Web Summit em 2009, e depois a mudou de Dublin para Lisboa em 2016, viu-se imediatamente atacado pelo embaixador de Israel em Lisboa e confrontado com um movimento de boicote à próxima edição, o que acabaria por conduzir à sua saída.

A 16 de Outubro, Dor Shapira, embaixador de Israel em Portugal, fez saber, pela rede X, que tinha informado por escrito a Câmara de Lisboa, que é patrocinadora institucional da Web Summit, de que Israel deixaria de participar na conferência.

Embora tenha menos população do que Portugal, Israel é considerada uma economia líder em inovação tecnológica, capaz de mobilizar investimento e com relevantes relações aos mercados de capitais, designadamente o maior deles todos, o dos EUA.

Por essas razões, a retirada de Israel era um mau sinal, apesar de inicialmente ter sido minimizado pelo agora ex-presidente da Web Summit. Porém, nos dias seguintes, o boicote ganhou adesões de peso. Amazon, Meta, Google, Siemens anunciaram, uma a uma, e no meio de outros nomes menos conhecidos do grande público mas sonantes no meio empresarial e de media, que também abdicavam da sua presença este ano em Lisboa.

Além das empresas que anularam a viagem até à FIL, onde a Web Summit se realiza anualmente, também conferencistas convidados, jornalistas e moderadores anunciaram que não viajariam para Lisboa em 2023, por não se reverem nas afirmações de Cosgrave.

Falou-se em “cancelamento”, argumentando que o co-fundador da Web Summit estava agora a ser “punido” por delito de opinião, algo que ele próprio teria praticado no passado, quando retirou convites a Marine Le Pen (líder da extrema-direita francesa) ou a jornalistas do Grayzone, uma publicação online supostamente crítica da Ucrânia.

Outros alegaram que Cosgrave foi vítima da diplomacia israelita.

Houve leituras muito diversas e até vozes reconhecidamente de espectros políticos opostos, como João Miguel Tavares, mais à direita, e Carmo Afonso, mais à esquerda, ambos cronistas residentes no PÚBLICO, analisaram o “caso Cosgrave” nessas duas perspectivas.

Mas o próprio empresário irlandês tentou a inversão de marcha, com um pedido de desculpa e uma demissão que já veio tarde de mais. Nem serviu para anular o boicote e trazer de volta os que abandonaram a Web Summit 2023, nem chegou para acalmar os ânimos. Essa missão cabe agora à nova liderança e Katherine Maher apresenta-se com duas mensagens, uma em vídeo e outra em texto.

Em vídeo, a nova CEO da Web Summit pouco mais faz do que apresentar-se ao público e enfatizar a missão e a visão da conferência. Já na mensagem escrita, Maher (que liderou a Wikimedia durante cinco anos, até Abril de 2021) não ignora a polémica que antecedeu a sua chegada à Web Summit, apostando, no entanto, em passar a mensagem de que a sua entrada coincide com o início de um novo ciclo.

“Hoje a Web Summit entra numa nova fase. Anuncio, com entusiasmo, que entro na Web Summit como CEO porque acredito na sua missão de ligar pessoas e ideias que mudam o mundo. A tarefa mais imediata nas nossas mãos é devolver o foco àquilo que fazemos melhor: facilitar debates entre todos os que estão envolvidos no progresso tecnológico”, escreve.

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