Rendas: como funciona o apoio para atenuar o aumento de 6,9% em 2024?

O apoio à renda vai ser reforçado para compensar uma parte da actualização das rendas no próximo ano. A larga maioria dos inquilinos, contudo, não terá direito a qualquer compensação por esse aumento.

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As rendas vão poder ser actualizadas em 6,94% em 2024 Nuno Ferreira Santos
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O Governo decidiu não impor qualquer travão à actualização das rendas em 2024. Em vez disso, vai atribuir um apoio directamente aos inquilinos que sejam afectados por estes aumentos, através de um reforço, calculado em função do aumento da renda, do apoio extraordinário que já é atribuído actualmente. Estes são os principais detalhes do novo apoio, que chega a uma fatia limitada do universo de inquilinos em Portugal.​

O que vai acontecer às rendas em 2024?

O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), legislação que regula o mercado de arrendamento em Portugal, determina que as rendas em vigor podem ser sujeitas a um coeficiente de actualização anual. Este coeficiente resulta da variação média dos últimos 12 meses do índice de preços no consumidor, sem a componente de habitação, registada em Agosto do ano anterior a que respeita a actualização.

De acordo com os dados apurados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos a Agosto deste ano, esse indicador foi de 6,94%. Assim, o coeficiente de actualização de rendas em 2024 é de 1,0694 (o que, na prática, corresponde a uma actualização de 6,94%), o valor mais elevado dos últimos 30 anos.

Este coeficiente funciona como um tecto e não é obrigatoriamente aplicado. Ou seja, se os senhorios quiserem actualizar as rendas em 2024, poderão fazê-lo até um máximo de 6,94%. Mas podem optar por não actualizá-las de todo, ou por actualizá-las abaixo deste coeficiente, para um valor que seja, por exemplo, negociado com o inquilino.

O que pediam inquilinos e proprietários?

Perante o cenário de aumento acentuado das rendas no próximo ano, o Governo reuniu-se com os vários representantes do sector para encontrar uma solução que permitisse apoiar as famílias mas, ao mesmo tempo, manter o “equilíbrio” do mercado de arrendamento.

Os dois lados da discussão pediram actuações opostas: os inquilinos apelaram a um travão que determinasse uma actualização “zero” das rendas em 2024, enquanto os proprietários exigiram a aplicação da lei tal como ela está redigida, ou seja, que não houvesse qualquer travão à actualização de rendas, ao mesmo tempo que propuseram a atribuição de “subsídios aos inquilinos que precisem”.

E o que fez o Governo?

O Governo foi ao encontro das reivindicações dos proprietários: decidiu não impor qualquer travão ao coeficiente de actualização das rendas e optou por apoiar directamente os inquilinos, mas não todos, apenas aqueles que têm “mais dificuldade” em pagar a renda.

Em concreto, a compensação pelo aumento das rendas no próximo ano será dada através do reforço do apoio extraordinário à renda.

O que é o apoio extraordinário à renda?

O apoio extraordinário à renda é uma medida já em vigor desde Maio deste ano que consiste num subsídio no valor máximo de 200 euros por mês, atribuído aos agregados familiares com taxas de esforço superiores a 35% com o pagamento da renda e com rendimentos até ao sexto escalão de IRS.

Este apoio é atribuído às famílias durante um período máximo de cinco anos (ou seja, até 2028), desde que os critérios de elegibilidade (a taxa de esforço e o nível de rendimentos) se mantenham.

Como é calculada a taxa de esforço?

Para serem abrangidas por este apoio, os encargos anuais com o pagamento das rendas têm de representar uma percentagem igual ou superior a 35% dos rendimentos das famílias. Essa taxa de esforço é calculada em função do rendimento colectável das famílias, e não do seu rendimento líquido, uma definição que limita o universo que pode aceder ao apoio.

E como é determinado o rendimento?

Para poderem receber o apoio, as famílias têm, ainda, de auferir um rendimento anual igual ou inferior ao limite máximo do sexto escalão do IRS em vigor à data da atribuição do apoio (em 2023, esse escalão abrange os rendimentos até 38.632 euros por ano; em 2024, esse limite sobe para 39.791 euros por ano).

Para efeitos de elegibilidade das famílias que poderão receber este apoio, devem ser considerados todos os rendimentos, incluindo prestações sujeitas a taxas reduzidas, como pensões de alimentos.

Como é definido o valor do apoio?

O subsídio corresponde à diferença entre a renda efectivamente paga por uma família e aquela que teria de ser paga para que a taxa de esforço baixasse para 35%, existindo um limite máximo de 200 euros por mês. Por exemplo: uma família com um rendimento 2000 euros paga uma renda de 900 euros, montante que corresponde a uma taxa de esforço de 45%. Para que a taxa de esforço baixasse para 35%, esta família só poderia suportar uma renda de 700 euros. Assim, o apoio será de 200 euros por mês.​

Em quanto é que o apoio extraordinário à renda vai aumentar?

O apoio extraordinário à renda será actualizado de forma automática a partir do próximo ano, sendo aumentado em função do aumento da renda. Na prática, as rendas são actualizadas em 6,94%, mas 4,94% serão comparticipados pelo Estado, pelo que as famílias que recebem este apoio passam a suportar um aumento mais baixo da renda, de 2%.

Dito de outra forma, o Estado paga cerca de 71% do valor do aumento da renda e as famílias suportam os restantes 29%.

Num comunicado divulgado na quinta-feira, o Ministério da Habitação dá o seguinte exemplo: actualmente, um agregado familiar com um rendimento de 1600 euros por mês e uma renda de 800 euros tem direito ao valor máximo do apoio, ou seja, 200 euros por mês. Se o senhorio aplicar o coeficiente de actualização, a renda será actualizada em 6,94% (ou seja, há um acréscimo de 55,52 euros por mês) e passará a ser de 855,52 euros por mês. Neste caso, o apoio extraordinário à renda é aumentado em 39,5 euros por mês e passa a ser de 239,5 euros por mês. Assim, esta família suporta um aumento de renda mais baixo, no valor de 16,02 euros por mês.

É preciso pedir este novo apoio?

As famílias que já estejam a receber o apoio extraordinário à renda não terão de pedir o seu reforço, já que ele será concedido de forma automática a partir do próximo ano.

Já no caso das famílias que, actualmente, não recebem o apoio extraordinário à renda, se a sua taxa de esforço passar a ultrapassar os 35% em consequência da actualização de rendas em 2024, passarão a ser abrangidas por este apoio, mas terão de fazer um requerimento para o receber.

O apoio é reforçado mesmo que a renda não seja aumentada?

Todas as famílias que já recebem o apoio extraordinário à renda terão direito ao seu reforço, mesmo que o senhorio opte por não actualizar a renda no próximo ano. Ao PÚBLICO, fonte oficial do Ministério da Habitação garante que, nestes casos, não serão feitos acertos mais tarde, isto é, estas famílias não terão de devolver o dinheiro recebido.

E se, com o reforço, o apoio ultrapassar o limite mensal definido?

O reforço do apoio vai abranger todas as famílias que já o recebem, mesmo nos casos em que já está a ser atribuído o valor mensal máximo que está previsto na lei, de 200 euros. Isto significa que esse limite será ultrapassado em alguns casos.

O reforço mantém-se até ao fim do apoio?

O reforço do apoio extraordinário à renda visa mitigar o efeito da actualização de rendas em 2024, mas irá manter-se durante toda a vigência do apoio, ou seja, poderá ser concedido até 2028.

Quem será abrangido pelo reforço do apoio?

Todas as famílias que já recebem o apoio extraordinário à renda serão abrangidas pelo reforço deste apoio. Actualmente, mais de 185 mil famílias estão a beneficiar desta medida.

Há um outro grupo de pessoas, ainda não contabilizado na totalidade, que consideram cumprir os critérios de elegibilidade mas que não receberam o apoio este ano, estando esses casos a ser analisados (são os casos, por exemplo, dos agregados familiares com taxas de esforço superiores a 100%). A ministra da Habitação, Marina Gonçalves, afirmou que estes casos deverão ser resolvidos ao longo das “próximas semanas” e que, quando se concluir que são cumpridos os critérios de elegibilidade, os apoios serão pagos com retroactivos a Janeiro deste ano.

Há, também, um novo grupo de famílias que, potencialmente, poderão vir a beneficiar deste apoio, se a actualização de renda a que forem sujeitas no próximo ano levar a que a sua taxa de esforço passe a superar os 35% (e se tiverem rendimentos até ao limite máximo). O Governo ainda não tem uma estimativa sobre quantas famílias poderão estar incluídas neste grupo.

E quem fica de fora?

São abrangidos pelo apoio extraordinário à renda os contratos celebrados até 15 de Março de 2023. Assim, as pessoas que cumpram os critérios de elegibilidade (taxas de esforço superiores a 35% e rendimentos até ao sexto escalão de IRS) mas que só tenham celebrado contratos após esta data ficam excluídas do apoio. Seja como for, de acordo com a legislação, a primeira actualização de uma renda só pode ser exigida pelo senhorio um ano após o início da vigência do contrato.

Ao mesmo tempo, a larga maioria dos inquilinos não chegará a receber qualquer compensação pela actualização de rendas no próximo ano, uma vez que não são abrangidos pelo apoio extraordinário à renda. De acordo com os últimos censos realizados pelo INE, relativos a 2021, existem 922.810 casas arrendadas para residência habitual. Nem todos estes contratos são abrangidos pela actualização de rendas, uma vez que vários são anteriores a 1990 e ficam de fora do NRAU (em concreto, há 151.620 contratos de arrendamento antigos). Assim, há cerca de 771 mil contratos abrangidos pela actualização das rendas. Actualmente, o apoio extraordinário à renda chega a mais de 185 mil famílias, o equivalente a cerca de 24% daquele universo total.

Também não são abrangidos por este apoio os contratos de arrendamento não-habitacionais. Ou seja, para já, não está previsto qualquer apoio para os estabelecimentos comerciais que arrendem os seus espaços e que venham a ser sujeitos a uma actualização de 6,94% das rendas.

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