A partida anunciada

Iniciámos o desmame de um país que nada tem para nos oferecer, antes pelo contrário, muito nos tira, anos de vida que não voltam, que nos dá cabelos brancos.

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Megafone P3: A partida anunciada Andrea Piacquadio/Pexels
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Fez precisamente um mês que, com ousadia, eu e a minha família abraçámos um novo projecto de vida. Arrumámos as nossas ânsias, os medos, levámos no coração uma dose cheia de coragem e partimos para um destino que não é assim tão longínquo - o suficiente para nos metermos num avião e estarmos com os que nos são queridos num piscar de olhos.

Em Junho, quando as ideias do que nos aguardava já estavam assentes, contámos aos nossos familiares o que se avizinhava. Nem queriam acreditar no que estavam a ouvir, foi até com espanto que receberam a notícia. "Mas vão assim?", "E os miúdos?" e "As escolas?", perguntaram. Mal sabiam que já tínhamos tudo tratado.

Receberam a notícia num misto de emoções. Alegria por irmos para melhor, onde somos queridos e valorizados, onde nos reconhecem o mérito por tudo o que alcançámos, pelo trilho que construímos. Tristeza por termos de partir, por se acabarem as rotinas de nos vermos todas as terças (às vezes quartas, ao jantar, nos almoços ao domingo), os fins-de-semana com a família toda, por não verem os miúdos crescer, por perder o estatuto de "gato-sapato" (no bom sentido da palavra), por não apontar semanalmente a altura de cada um dos miúdos na parede, numa fita métrica desenhada só para eles (para mais tarde recordar).

A verdade é que o sonho comanda a vida, e se não fosse já, quando seria? Nunca! Porque há sempre um motivo para ficar, a família, os amigos, o cão, o gato, o clima, o mar, a comida. É legítimo! Mas não podíamos suspender a nossa vida a bel-prazer dos outros, tínhamos de arriscar, não por absoluta necessidade, mas a bem do nosso amor-próprio e para o bem da nossa sanidade mental.

Por isso, há um mês, iniciámos o desmame de um país que nada nos tem para oferecer, antes pelo contrário, muito nos tira: anos de vida que não voltam, que nos dá cabelos brancos pelo trabalho intenso, pelo stress e a correria da vida que tem de ser.

Devo admitir que esta ideia de mudança trouxe-me muitas questões à cabeça: se era o melhor fazer, se devíamos ir todos, se os miúdos se iam adaptar (o que se tem revelado um enorme desafio, que acredito que a seu tempo será ultrapassado).

Serve este pequeno desabafo para encorajar quem esteja na fase do "should I stay or should I go?" que não há alturas perfeitas para nada e que, se o coração vos diz para ir, vão. Não se iludam porque vai custar, mas com o tempo passará.

Agradecemos e agradeceremos sempre do fundo do coração à nossa família que esteve, está e estará sempre presente e aos amigos que nos encorajaram para fazer acontecer, onde fomos tão calorosamente bem recebidos e onde viveremos até os nossos filhos terem asas para voar, num país que lhes dará o mundo.

Agradecemos ao Marques Mendes e ao seu espaço de comentários, aos domingos, na SIC, que, através dos seus gráficos e das suas sempre tão elucidadas interpretações, nos deu uma luz ao fundo do túnel e nos fez repensar a vida de outra forma.

Aos "Pizarros da vida" temos a lamentar por não ter aprendido na escola o verbo reter, em particular talento nacional, por dar primazia aos outros, aos boys, às cunhas, pela fraca gestão na saúde e por ter o verbo escravizar na "ponta da língua", o que fará com que, mais tarde ou mais cedo, a saúde adoeça e já não haja quem dela cuidar.

Por fim, lamentamos que tenhamos de abandonar assim um país, de que tanto gostamos e onde tanto gostaríamos de estar, mas entre estar onde nos valorizam e nos dão boas condições ou onde estamos estagnados e aos 37 anos chegamos ao topo da carreira por meia dúzia de tostões, todos sabemos a resposta.

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